Os sinais e a resposta vazia

Sou morador da Tijuca. Especificamente, da Usina. Pra quem não conhece, um sub-bairro que o Alto da Boa Vista e a Muda (outro sub-bairro). Um pedaço de terra que virou sinônimo de horror por conta das favelas nos morros do Borel, Formiga e Casa Branca.

Farra do boi

As favelas estão pacificadas (Deus sabe até quando) e o bairro é bem aprazível, com temperatura amena (para os padrões cariocas, claro). Aos pouquinhos, vai voltando a ter vida, comércio reabrindo etc. Mas ainda é uma espécie de farra do boi.

O povo é mal educado e não é raro termos problemas com barulho de festas, muitos edifícios estão mal tratados por puro desleixo, há casas antigas abandonadas e andar nas calçadas é como uma espécie de gincana fugindo de cocos de cachorro que muitas vezes parecem bombas (até hoje não entendo qual a dificuldade das pessoas em levar um saco plástico para recolher sua sujeira e jogar no lixo).

O trânsito não é diferente e os sinais, na maior parte do tempo, são meros ornamentos. Quase tratados como luzes de Natal que piscam o ano inteiro. E como na maior parte da cidade, motoristas de carros fazem cagada. Mas vans e ônibus capricham, se superam dia a dia.

Os sinais

UsinaNa imagem acima, há três sinais marcados. O número 1 fica na esquina de Conde de Bonfim e Santa Carolina. Durante o dia, ainda há algum (pouco) respeito, mas à noite é o caos. Quem circula pela via principal, só para se for obrigado. Com sorte, diminuem a marcha. Pela transversal, os carros ainda param. Mas os ônibus avançam insistentemente. E ainda ficam ofendidos quando um pedestre atravessa à sua frente.

O número 2 é um sinal de pedestres que fica em frente a uma escola. Se não há alguém na beirada da rua pra atravessar, ninguém (ninguém mesmo!) para. De dia e de noite.

O número 3, esquina de São Miguel com São Rafael, também fica em frente a uma escola e a 40 metros de uma creche. E sofre do mesmo problema do segundo. Não há diferença entre carros, vans e ônibus.

Quase atropelamento

Tive um probleminha no número 2, na segunda-feira à noite. Depois do trabalho, saí a passear com Adriça e Joana. Como faço diariamente, parei na beirada da rua (se parar na calçada, ninguém te vê) e fiquei esperando o sinal fechar. E na hora certa, comecei a atravessar. E quando estava no meio da rua, lá veio o ônibus. Nem aí. Se eu estivesse distraído, teríamos ido os três pro beleléu.

Só pra constar, já vi a cena acontecer outras vezes, inclusive com crianças, e a única solução real é instalar radares em cada um dos sinais.

Resposta vazia

Como o ponto final era perto, fui até lá e reclamei com o fiscal que prometeu tomar alguma providência. Não sei se algo aconteceu. Também tratei de ligar para o 1746 (Central de Atendimento ao Cidadão) e fiz o registro. Ônibus da linha 604 (integração Usina – Metrô Saes Pena), numeral A50131, Auto Viação Tijuca, às 19h11 do dia 1º de abril de 2013, na rua Conde de Bonfim, em frente ao Colégio Regina Coeli.

Cinco dias esperando a resposta que chegou hoje. Resposta vazia como vocês podem ver abaixo, sem qualquer tipo de definição sobre o assunto, nenhuma providência específica.

Resposta 1746Como vivo em uma área da cidade que não será afetada diretamente por nada relativo à Copa ou Olimpíada, nada vai acontecer. Como não morri atropelado, como a história não foi noticiada em grandes sites, jornais ou TVs, nada vai acontecer. Como a agência reguladora não faz seu trabalho (tai o metrô e as barcas que não me deixam mentir), nada vai acontecer. Como a CET-Rio é ineficiente, como vemos diariamente nos engarrafamentos da cidade, Porque o Rio – fora dos canteiros de obras para os grandes eventos – está abandonado. E continuará assim.

I'm Shocked / Foto: Artur Braz

Foto do dia: Artur Braz

Nessa data querida

Sabe aquele papo de purgatório da beleza e do caos? Pois é, a beleza está no post anterior, uma pequena galeria de 12 fotos sobre a cidade. Os 40 graus deram um tempo e a temperatura tem estado bem amena nos últimos dias. Sobrou o caos.

Greve  de ônibus deixa Rio confuso / Foto: Reynaldo Vasconcelos/Futura Press/Estadão ConteúdoO Rio amanheceu com greve de ônibus. Aí, já viu né. Trens e metrô mais que lotados, naturalmente. Parece que os caras prepararam uma operação especial pra dar conta do aumento de passageiros, mas no negócio não tá fácil não. No caso do metrô, é claro que se os trens novos tivessem chegado no prazo, não seria tão difícil. Mas… Só pra ter uma idéia de como a coisa anda frouxa, só no dia 31 de janeiro é que uma multa pelo tal atraso aplicada em 2011 foi ratificada pela agência reguladora. Sabem como é, recurso daqui, recurso dali, empurra com a barriga, aplica o dinheiro e deixa render…

E é engraçado porque, se na zona norte os trens estão cheios, na zona sul o metrô está vazio. Com duas estações fechadas por conta das obras de expansão e dependendo de ônibus para cobrir o buraco, deu zica. As pessoas simplesmente não conseguem chegar ao metrô. O mesmo acontece com quem vem da Barra. Afinal, o Rio é tão especial que tem o único metrô do mundo que para em sinal de trânsito.

Mudando de assunto, a outra notícia do dia é que está rolando uma baita queima de estoque no Caju. Pra quem não sabe, é um dos bairros do complexo portuário do Rio, abriga um dos maiores (se não o maior) cemitério do país e um complexo de 13 favelas que serão ocupadas no próximo domingo. Claro que sem disparar um tiro (podem esperar os discursos festivos do governador e do secretário de segurança). Nem prender ninguém.

Rio se preparar para instalação de nova UPP / Foto: Pablo Jacob/GloboPorque a turma que manda na boca já deu no pé. E os vapores foram incumbidos de vender tudo o que podem, da maneira que der, pra diminuir o prejuízo. O resultado é que a pedra de crack sai por R$ 0,50 e a maconha, pra quem é local, sai de graça. Isso mesmo, de graça.

Agora, se todo mundo sabe disso, se está publicado nos maiores jornais da cidade, é claro que a polícia sabe, o que nos leva ao óbvio ululante de que ninguém é preso porque ninguém quer prender. E você, surpreso com essa revelação, faz um ‘ohhhhh!’ e depois canta assim: “parabéns pra você, nessa data querida…”

Pique-esconde animal

(…) para os moradores dos arredores está pior. Os assaltos continuam acontecendo. Na Rua Engenheiro Adel foram roubados dois carros e um terceiro teve seu vidro quebrado, em uma semana. (…) Na Rua Barão de Itapagipe, duas pessoas foram assaltadas, uma ficou sem celular e outra sem a bolsa (fatos ocorridos em junho). Na mesma rua, esquina com Rua Aguiar (…) continua funcionando uma boca de fumo – até durante o dia é possível ver as pessoas usando drogas na calçada, em frente a uma mecânica.

Digo que está pior, pois a sensação de insegurança é maior. Todos acreditamos que com a UPP os principais problemas seriam resolvidos. Utopia! Realmente, em um primeiro momento, os bailes acabaram, os fogos não existiam, os assaltos quase zeraram… Porém, aos poucos vejo que o “funcionamento” da comunidade volta ao normal. Conversando com alguns moradores da favela, me disseram que eles também estão receosos, que traficantes que fugiram estão voltando e que a polícia já está virando piada.

Bom, meus amigos, moro na Tijuca. E ouvi muito tiro durante o último final de semana. Todos eles em favelas pacificadas. No Catumbi, também pacificado, uma granada foi jogada sobre policiais (um deles perdeu a perna e está em estado gravíssimo no hospital), houve troca de tiros mas ninguém foi preso e segue tudo bem.

O primeiro texto, com referências ao Turano e seus arredores, é trecho de um e-mail que recebi. Quem enviou foi a Claudia, do Grupo Grande Tijuca. Talvez vocês não lembrem, mas no dia 1º de abril contei sobre o rapaz de bicicleta que fazia assaltos ali pelo Largo da Segunda-Feira, que todos conheciam, “já foi até preso”. O segundo, é trecho de um post de um mês atrás, sobre o final de semana de instalação da UPP da Mangueira. Também já conversei com algumas pessoas que moram em outras áreas próximas a favelas ‘pacificadas’, Alemão inclusive – que é vendido pelo estado e pela mídia como grande vitória da sociedade. O diagnóstico de todos é o mesmo. O pau está comendo solto, nas barbas de todo mundo. A semana passada em Santa Tereza, por exemplo, foi quentíssima.

E todo mundo, estado e mídia, fazem questão de fingir que está tudo bem. Tudo é lindo, tudo é maravilhoso.

Estamos cansados de saber que nosso governador não está muito preocupado com isso, visto que está enrolado com seus problemas pessoais, além da montanha de dinheiro em contratos muito mal explicados com empresas de seus amigos e quase familiares. E onde está nosso secretário de segurança, Sr. Beltrame? Calado, escondido como uma tartaruga que se faz passar por pedra, um tatu que se faz passar por bola ou simplesmente com a cabeça enfiada na terra, como um avestruz, esperando que ninguém repare no resto do corpo?

Triste lembrança

Durante a cobertura da tragédia na região serrana, e enquanto pouca coisa que está acontecendo em São Paulo e Minas Gerais onde as coisas também estão feias, começou a ser dito por aí que esta é a maior tragédia provocada pelo clima no Brasil. E como temos memória curta e uma boa dose de preguiça, embarcamos. Até a ONU apontou a catástrofe de agora como uma das dez maiores nos últimos 111 anos.

Infelizmente não foi. Eu não era nascido em 1967 e – na verdade – era um daqueles que nunca tinham ouvido falar do quase cataclisma da Serra das Araras. Foram cerca de 1.700 mortos em uma região que teve deslizamentos provocados pela chuva em uma área com diâmetro de 30km.

Só pra ter uma idéia, dessa vez choveu 140mm durante 24 horas em Teresópolis. Em 1967 foram 275mm em três horas.

E aí, depois de saber da história, fiquei imaginando se chovesse esse mesmo tanto, no mesmo tempo, com o nível de ocupação do solo que existe hoje. E aí fiquei desesperado só de imaginar, porque 43 anos e muitas outras chuvas depois, nada ou quase nada foi feito a título de prevenção.

Pra ler a história completa é só clicar aqui.

Gambiarra

Deu merda, todo mundo já está cansado de saber. Até agora, 13h de 19 de janeiro, 715 mortos e mais de 200 desaparecidos.

Então, antes de sair bostejando qualquer coisa por aí (minha especialidade como vocês sabem), é bom seguir por partes. Porque é preciso reconhecer que com o que choveu, o quanto e no tempo que foi, haveria problemas sérios de qualquer maneira. Ou o centro de Friburgo, por exemplo, não teria sido destruído.

Mas isso não pode esconder o fato de que qualquer tragédia provocada por chuva não tem qualquer sistema de prevenção depois de tantos e tantos avisos, há décadas; não pode esconder a nulidade do estado e a inexistência de qualquer política séria de ocupação do solo em qualquer lugar e por qualquer classe social.

Dito o óbvio, chega a ser cômico ver os discursos de autoridades sobre o que será feito a partir de agora, as providências, os novos planos etc etc etc. Como o novo plano do nosso prefeitinho, aquele que passou anos se preparando para ser o melhor prefeito da história do Rio de Janeiro.

Vejam que ele anunciou a instalação de um sistema de alertas contra tempestades na cidade. Basicamente, instalação de sirenes em áreas de risco que tocarão quando for necessária a evacuação de uma área ou outra. Além disso, contará com a colaboração de quase dois mil agentes comunitários da Defesa Civil que vivem em 25 das 117 favelas com alto risco de deslizamento (essa última informação veio do Globo).

Legal né? Você está em casa, naquele barraco que você sofreu para construir ou se mata para pagar o aluguel, em cima daquele morro que pode vir abaixo a qualquer momento. De repente, vai tocar uma sirene ou alguém baterá à sua porta e você deverá sair correndo para não morrer. Muito legal… E se vier abaixo e sua casa não cair, você pode voltar assim que parar de chover e continuar vivendo à beira de um abismo. Pensando bem, é duca!

Não sou (completamente) louco e é claro que é melhor sair correndo do morro e até perder tudo, mas continuar vivo. Com ou sem sirenes. Agora, por que ninguém fala em resolver o problema de verdade? Por que só fazem gambiarras? A existência de qualquer favela é um absurdo. Em áreas de risco, mais ainda. Reconhecida assim pelo poder público, a ponto de ter uma ou mais sirenes instaladas por lá… Nem sei o que dizer.

Aliás, é melhor não dizer nada. Afinal, temos o melhor prefeito da história da cidade, o melhor governador da história do estado, tivemos por oito anos o melhor presidente da história desse país e estamos no início de mandato da melhor presidenta da história da humanidade.

Quase mil pessoas morreram por causa da chuva? Acidentes acontecem, né não?

Avisa lá que eu vou chegar mais tarde

Eu devo mesmo ser uma besta. E começo a me convencer que o nosso governador e a equipe da Secretaria de Segurança são bestiais.

Em uma solenidade hoje de manhã na Cidade de Deus, Sergio Cabral anunciou que o BOPE ocupará, a partir de quinta-feira, três favelas no Engenho Novo (Matriz, Quieto e São João) para que seja instalada uma nova UPP.

Será que eu sou o único que acredita que essas operações deveriam ser sigilosas?  Porque, trocando em miúdos, o que o grande mandatário de nosso belo e formoso estado disse foi o seguinte: “ô bandidagem, vocês têm até quinta pra se mandar e fazer a vida em paz em outro lugar. Na quinta os caras vão subir e se neguinho der bobeira vai em cana”.

Eu devo mesmo ser muito burro pra acreditar que a polícia deveria chegar de surpresa pra prender geral ou descer o dedo em quem tentasse resistir ou fugir. Afinal, há que se dar tempo pra galera fazer as malas, esconder as armas, empacotar o bagulho né não?

Ih, ih, vamuinvadi!!! (2)

Se você não sabe do que se trata ou não se lembra da confusão que está acontecendo no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, clique aqui ou role a barra de rolagem até três posts abaixo.

E sobre o tema, recebi hoje o e-mail abaixo.

AOS VEREADORES DO RIO DE JANEIRO

Quando a Secretaria de Patrimônio da União afirma que “não defende interesses privados mas sim a função social da propriedade pública federal”, alguns esclarecimentos devem ser prestados:

1) A Medida Provisória 2220/2001 diz que: “Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia”.
As famílias que ocupam irregularmente o Jardim Botânico tiveram, desde a década de 1980, oposição à esta posse. Centenas de ações foram ajuizadas pedindo a reintegração das terras ocupadas do Jardim Botânico. Portanto, houve oposição à esta ocupação, o que já não as habilita à concessão de “uso especial”.

2) Já foi feito um cadastro sócio-econômico em 2005. Em 2010 foi solicitado um novo cadastro sócio-econômico. Dá para perceber que, de 5 em 5 anos, todas as soluções são paralizadas para a elaboração de “novos cadastramentos”. Os invasores de hoje passarão a “ter direitos” em 2015. E assim vai se arrastando o problema do Horto: As ações de reintegração de posse não são cumpridas porque configuram um problema social. Novos cadastros são requisitados de 5 em 5 anos, e aqueles que não tinham “direitos” passam a tê-los. Quanto mais este problema se arrastar, mais invasores o Jardim Botânico terá que administrar. É justo, sr. Vereador?

3) A Constituição Federal (lei maior do nosso país, a qual todas as outras são subordinadas) não reconhece usucapião de terras públicas. A ocupação por 5 anos, que gera direitos, só se aplica a terras particulares. O texto da MP 2220 não tem valor legal porque não se altera a Constituição por Medida Provisória.

4) Hoje, quando a SPU fala da necessidade de mais um cadastro sócio-econômico e um cadastro físico, só para adiar a solução do problema, podemos garantir que novas invasões vão compor o “cadastro físico” das terras do Jardim Botânico. Se for feito com lisura e honestidade, o novo cadastro vai mostrar que, de 2005 a 2010, o número de invasores do Jardim Botânico aumentou. Que direito estas pessoas têm de ocupar um espaço que pertence a todo o povo brasileiro? E que direito o Rio de Janeiro tem de validar um espaço que não pertence ao município, mas sim a todo o país?

Perguntamos aos Vereadores do Rio de Janeiro:
– Com sua consciência de brasileiro, você consegue votar a favor do projeto 161/2009?
– As famílias moradoras do local, com uma boa indenização, poderão continuar a vida em outro lugar. Mas você, vereador carioca, poderá continuar sua carreira, se for identificado com aqueles que destruíram o Jardim Botânico?

Atenciosamente,

Alfredo Piragibe
Presidente da AMA JB

Ih, ih, vamuinvadi!!!

Depois dos posts que publiquei nos últimos dias, alguns amigos vieram me perguntar o que eu tenho contra a Dilma. E fui claro: tudo! Mas o que poucos desses amigos entenderam é que o problema não é pessoal. Pelo menos por enquanto. É apenas uma diferença abissal no modo de perceber o mundo em que vivo e em que pretendo viver no futuro. Nesse caso, o futuro começa no dia 1º de janeiro de 2011.

Como a maioria das pessoas que conheço, gasto um bom dinheiro – boa parte do que ganho – com minha casa. Seja aluguel, a prestação de um financiamento ou fundo de garantia raspado para a quitação de um imóvel, além das contas comuns como condomínio, luz, gaz etc. (taxas e impostos como o IPTU).

Entendo que essa é a lógica do negócio. Bens e serviços têm o seu valor, claro. Mas aí, quando vejo notícias como a que reproduzo abaixo, fico pensando em como sou, no mínimo, um otário (como gostam nosso governador e nosso presidente).

Secretaria de Patrimônio da União defende invasores em vez do Jardim Botânico

RIO – As palmeiras imperiais símbolo do Jardim Botânico começaram oficialmente a pertencer ao quintal de centenas de casas localizadas no território de uma das mais antigas instituições do Brasil, o Jardim Botânico, conforme mostra reportagem de Isabel de Araujo e Jacqueline Costa, publicada na edição desta quinta-feira do GLOBO. A Secretaria de Patrimônio da União (SPU), que deveria defender os bens de interesse federal, trocou de lado e passou a defender interesses privados. Numa decisão polêmica, a superintendente da SPU no Rio, Marina Esteves, solicitou ao advogado da União Cláudio Panoeiro a suspensão de um mandado de reintegração de posse expedido pela Justiça em favor do governo federal – abrindo mão, na prática, de um imóvel erguido dentro do parque. No documento ao qual O GLOBO teve acesso, a SPU reconhece o direito do atual ocupante à moradia e explica que está sendo feito um cadastramento com o objetivo de dar títulos de posse a famílias que vivem nos limites do terreno da União.

Na prática, a solicitação feita em 20 de julho abre caminho para a privatização de mais imóveis pertencentes à União. Na Comunidade do Horto, onde a regularização fundiária está sendo feita em parceria com a UFRJ, vivem hoje cerca de mil pessoas, em núcleos conhecidos como Caxinguelê, Margarida, Grotão, Horto Florestal e Solar da Imperatriz. Há casas erguidas até mesmo na área de visitação do parque. Um relatório da SPU de 2005 informa que, em 1975, estavam cadastradas 377 famílias e, em 1995, 589 (último número disponível).

No seu pedido, a superintendente da SPU considera que o morador Aleci José de Oliveira está habilitado a ocupar a casa na Rua Pacheco Leão 1.235, que antes pertencia a Carlos Escazo. Aleci, no entender da SPU, tem direito a permanecer ali – onde está há mais de cinco anos – porque não tem outra casa e tem renda inferior a cinco salários-mínimos. Marina Esteves não foi encontrada para comentar a sua solicitação. Já Panoeiro, coordenador de Defesa do Patrimônio Público e da Probidade Administrativa da Advocacia Geral da União (AGU), informou que uma câmara conciliatória precisará ser criada para resolver definitivamente a questão – que põe em lados opostos o Ministério do Planejamento (órgão ao qual a SPU é vinculada) e o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (IBRJ).

Segundo o advogado da União, desde 1987 o extinto IBDF, o Ibama e, mais recentemente, a AGU defendem em juízo o interesse da União em recuperar a posse plena do parque, irregularmente ocupado.

– Houve sentenças judiciais reconhecendo a posse da União. Trata-se de uma escolha (execução) difícil, pois coloca em confronto a proteção ao meio ambiente, o direito à moradia e a relevância histórico-cultural do próprio Jardim Botânico para a cidade do Rio – disse Panoeiro.

Isabel de Araujo e Jacqueline Costa
Fonte: O Globo

*A reportagem, na íntegra, está disponível em O Globo digital somente para assinantes.

Como podem ver, a área é patrimônio da União que, neste governo, estão à disposição – sem qualquer problema – de qualquer um que se identifique como pobre (mesmo que não seja) e/ou integrante de um movimento social qualquer (mesmo os marginais apenas disfarçados). Vide a estranha e nada saudável relação com o MST.

Então, gostaria de avisar amigos e familiares, que a partir de hoje estou em busca de um terreno qualquer – em área nobre da cidade – que eu possa invadir e para onde possa puxar um gato de água e eletricidade. E ai de quem tentar me tirar de lá, porque eu vou chamar o Lula e sua candidata para me defender.

Ônus e bônus

Acordei com uma baita preguiça de escrever, mas com disposição de colocar a leitura em dia. E resolvi republicar aqui o que achar de interessante por aí.

Começo falando das UPP. Entre todas as análises positivas e negativas da política de segurança implantada pelo governo do estado, o meu maior temor é, com a pacificação das comunidades, a legitimação e eternização das favelas como são hoje. Ou seja, barracos e quetais espalhados pelos morros da cidade e nunca mais veremos nossas encostas outra vez.

Em termos gerais, acho que a tática de brincar de War com o crime (quase) organizado no Rio é uma boa escolha, muito melhor do que o confronto direto e infindável que, necessariamente coloca toda a população em risco. Mas, como tudo na vida, há ônus e bônus.

Entre os muitos efeitos colaterais, o Caos Carioca falou sobre a especulação imobiliária nas favelas pacificadas. Boa leitura.

O efeito colateral das UPPs

Já toquei no assunto há algum tempo atrás na matéria UPPs do Rio, um tiro que pode sair pela culatra. E a matéria de ontem do jornal O Globo apenas confirma que o estado não está fazendo o dever de casa. A matéria tem como manchete o fato que as propriedades dentro das favelas estão se valorizando até 400% desde a instalação das UPPs nas comunidades. Esse movimento já era esperado e, sinceramente, é impossível contê-lo. Mas um outro aspecto que o texto aborda é muito mais preocupante e de fato perigoso: as comunidades estão em franca expansão imobiliária, na maioria das vezes de forma ilegal.

A segurança que as Unidades de Polícia Pacificadora trouxeram às comunidades cariocas tem feito um sucesso tremendo. Tanto a população das favelas quanto do “asfalto” tem mostrado apoio à política de segurança e tal política parece ter se cristalizado em tempo recorde para se tornar uma política de estado, e não meramente de um governo para ser abandonada depois das próxima eleições. Nenhum governante que venha a assumir o caso terá a coragem de acabar com esse programa de policiamento que vem mostrando resultados indiscutíveis.

Mas temos que, agora, enfrentar um efeito colateral das UPPs. Como controlar, inibir e – a longo prazo, inclusive – reverter a favelização carioca? A reportagem mostra que em todas as favelas ocupadas há um forte movimento “empreendedor” que está ampliando construções para vender e alugar. A lage extra vira quitinete alugada que complementa a renda da população. Mas será que deveríamos permitir a expansão de áreas ocupadas de maneira ilegal? No Batan, por sua vez, um grande terreno foi comprado de maneira legal e está sendo loteado em unidades de 50m² de maneira ilegal, uma vez que a Prefeitura determina que o lote mínimo tenha mais de 120m². Esses movimentos apontam para uma legalização do ilegal, e uma expansão da ocupação ilegal que é fonte de diversos problemas, não somente da insegurança e tráfico de drogas, que são os problemas combatidos pelas UPPs.

Nesse ponto cabe ao estado determinar regras de ocupação e de exploração econômica do local. O estado está investindo rios de dinheiro público nestas comunidades. Além das UPPs, há toda sorte de investimentos que vem através da reforma das comunidades. E por outro lado, há ainda amenidades que não vemos fora das comunidades. Internet gratuita, conta de luz e água com tarifa social, isenção de IPTU e até mesmo a benesse de ter a sua geladeira trocada sem tirar um centavinho do bolso. E nada disso vem de graça. Quem paga a conta é o contribuinte. E se queremos transformar favelas em bairros (coisa que acho quase impossível na maioria dos casos) estas devem não somente contar com os beneficios, mas também com os deveres de arcar com as contas públicas de maneira responsável.

A expansão destas favelas vai exatamente na direção contrária. O estado está investindo milhões de reais e a população destas comunidades está vendo isso como incentivo para continuar as expansões irregulares. O estado tem que ser mais presente e mais ativo dentro das favelas que estão sendo contempladas com fortunas oriundas do bolso do contribuinte. A benesse pública tem que ser atrelada a regras e condições para o futuro destas comunidades, a expansão imobiliária tem que ser estritamente proibida e, inclusive, revertida através de programas de realocação assistida (nome bonito para as remoções).

Como já comentei em outras matérias. A meu ver, as UPPs tem que vir junto com uma presença forte e por vezes até autoritária do estado. Todas as residências das comunidades ocupadas devem ser detalhadamente catalogadas, inclusive com planta detalhada e descrição do imóvel. E qualquer expansão deve ser vedada. Todos os moradores devem também ser informados que as suas residências são ilegais, e como condição de legalização o compromisso de não expandir a residencia, sob pena de multa e demolição. Além de manter o controle e fiscalização, uma medida que pode ajudar é a obrigatoriedade de telhados com inclinação nas residencias das comunidades. Não ter lages prontas para construção facilitaria em muito o controle visual das expansões. Uma media relativamente simples e eficaz.

Uma coisa é certa. A expansão das favelas é um grande risco para uma política habitacional coerente. Não podemos cair novamente na fantasia que as favelas podem se sustentar de maneira independente. Tão fantasioso quanto achar que podemos remover todas num piscar de mágica é achar que essas comunidades são uma bela moradia para a classe mais pobre (mesmo sem a presença do tráfico de drogas armado). A prefeitura tem que mostrar de maneira autoritária que não serão toleradas expansões, e que todas as benfeitorias tem que ser posteriormente assumidas pelos moradores. Isso é, com os beneficios tem que haver responsabilidades e deveres atrelados. Caso contrário, estaremos vendo mais uma vez medidas populistas e que são insustentáveis a longo prazo. Tal qual foi o Favela Bairro e os similares de Brizola ainda antes, que tiveram como resultado apenas a expansão desenfreada das ocupações irregulares. A Secretaria de Segurança Pública está fazendo a sua parte, falta agora a ação das outras esferas do poder público para que as UPPs não se tornem um problema maior do que aquele que vieram resolver.

Jan Kruger (Caos Carioca)