Bobos, feios e chatos

Hoje acordei e lembrei de Clarice. Das vantagens de ser um bobo. De sua crônica ser a admissão de como se identifica. Na mesma hora, lembrei de Oswaldo Montenegro e O Chato. “Eu sou um chato e, meu Deus, não me aguento”.

Tudo isso antes das seis da manhã, por conta das confusões da família, e de como somos obrigados a engolir os sapos, eu e minha irmã, para lidar com os “adultos” ao redor. Não há nada de novo nisso, somos tão disfuncionais quanto qualquer outra família, cada uma à sua maneira. Já falei disso antes.

Mas tem semana, tem dia que tá foda. Logo depois das sete veio outra surpresa das boas. Mas agora tá tudo sob controle.

Não é por acaso que ando celebrando cada amigo, cada amiga, que leva suas crianças à terapia desde cedo. Porque lidar com adultos fora da casinha que se acreditam autossuficientes é de deixar a gente mais lelé do que já é.

Enfim, com todos os problemas, não acho que seja por acaso que – por aqui – estejamos nos identificando e até nos orgulhando de nos identificar tanto com o bobo e o chato.

P.S.: a parte do feio foi só pra compor o título mesmo. Porque os irmãos Sirelli são lindos. E modestos. Os do Rio, claro. Os outros são marromeno. Ah, e o Carpinejar tem uma crônica ótima, divertidíssima sobre os feios, procurem.

O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: “Estou fazendo. Estou pensando“. Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem à ideia.

O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha liberdade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.

Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona.

Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar e, portanto estar tranquilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.

Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: “Até tu, Brutus?“. Bobo não reclama. Em compensação, como exclama! Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.

O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás, não se importa que saibam que eles sabem.

Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas! Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

(Clarice Lispector, do livro “A descoberta do mundo”. [crônicas]. Rio de Janeiro: Rocco, 1984)

O começo da história

A depressão é uma doença (acho que hoje todo mundo já entende isso né) crônica, provocada por uma disfunção bioquímica do cérebro. (Muito) Grosso modo, me disse um psiquiatra, é como uma inflamação do cérebro. E quando o sujeito está em crise, ou seja, com a caixola muito inflamada, ela simplesmente não funciona. E se ela não funciona…

Fui diagnosticado em 2014, depois de resistir muito à ideia de que era esse o meu problema, de que deveria procurar um médico. Quando finalmente cheguei ao consultório, eu já estava em crise – acreditem – há cerca de dois anos. Com o devido acompanhamento, você aprende a viver e identificar o que pode disparar suas crises, e como lidar com todos esses cenários.

Mas, mesmo o devido acompanhamento, não o livra de fazer cagadas. E vou lhes contar algo: eu capricho.

No texto anterior, disse que o processo que explodiu em 2021 foi iniciado em 2019 (tinha escrito 2018, mas já consertei). Na verdade, foi mais ou menos assim: 2017 chegando ao fim com mais um período de desemprego e eu aos 44 anos. Eis que surge a oportunidade de criar algo, abrir minha própria empresa. Comigo, dois sócios: um amigo de mais de 30 anos – daqueles que, apesar dos hiatos da vida, se frequentam as casas, famílias, filhas – e um seu amigo, também, de mais de década.

Erro 1: Não seja uma criança de 5 aos 45

“Amigos, amigos. Negócios à parte.” Sabedoria popular não seria sabedoria se não fosse, óbvio, sábio. A questão sempre será a interpretação e, apesar de tudo, eu jamais teria outra empresa com um sócio que não fosse amigo. A firma andava devagar, mas andava. E estava sob controle, contas em dia etc. Ou deveria.

É claro que nem eu nem ninguém tem culpa se um outro sujeito é desonesto e mentiroso compulsivo. Mas se você tem uma empresa, lida com clientes e quer “brincar” de ser adulto, não pode confiar em ninguém de olhos fechados, sem controlar tudo de perto. Mesmo que você conheça o tal sujeito há mais de 30 anos e tudo o mais que já contei lá em cima.

E ao misturar a pancada prática com a destruição dos afetos envolvidos, é claro que deu merda.

Erro 2: A vida não é um filme no velho oeste

Ao abrir uma empresa, é necessário se preparar para a possibilidade do fracasso, claro. Tinha me programado para um prazo de definição de dois a dois anos e meio, ou engrena ou encerra, essas coisas. Racionalmente (e teoricamente), tudo lindo.  Mas era eu.

Idiota e emocionalmente, não fui capaz de administrar nada. Dadas as minhas circunstâncias e os meus medos, além do cenário ao redor, o Brasil apontando cada vez mais para o sucesso (precisa explicar que contém ironia?), encarei tudo aquilo como a bala de prata da minha carreira. Aí, quando deu errado, eu desmoronei.

Erro 3: O Exército de Um Homem Só é apenas um livro muito bom

Toda essa merda explodiu entre março e abril de 2019. E a verdade é que nem posso reclamar da sorte, pois pouco tempo antes eu havia sido convidado para um projeto que duraria até o fim do ano. Ao menos tinha um trabalho que, além de salvar alguma grana, ainda ajudava a mascarar o problema. Só pra mim, claro.

Porque quem me conhece de verdade e estava ao meu redor (inclusive no trabalho) sabia que havia algo errado e tentava acessar o problema, mas eu dava um jeito de escorregar das conversas. Masculina e estupidamente, acreditei que seria capaz de lidar com e resolver tudo sozinho. Mas qual a chance disso dar certo? O Exército de Um Homem Só é apenas um livro muito bom (e uma música ruim dos Engenheiros), mas nem Scliar arriscou fazer essa maluquice funcionar.

Toda essa história, e todos esses erros, foram os pontos de partida da crise que ainda vivo. De quebra, fez surgir uma espécie de nuvem negra que pairou sobre mim durante todo esse período. E quanto mais o tempo passava, mais fechado ia vivendo, e quando a merda toda veio à tona, trouxe uma quebra de confiança que quase pôs fim ao meu casamento. E a tal nuvem só foi dissipada em novembro do ano passado, com a ajuda (ora, vejam só!!!!) do meu pai.

No dia seguinte a assinar os documentos que me livraram definitivamente da empresa, tive um piripaque no coração. Coincidência, claro. Mas isso é outra história que já já eu volto pra contar.

Continuem se cuidando. Por favor.

17 de março de 2021

Ontem, quando eu e Flávia, minha conge (taí uma palavrinha ótima que foi agregada ao léxico nacional, né não?), assistíamos a uma aula de escrita criativa, o professor falou de “Torto Arado”, só o livro mais vendido de 2021. Confessei, então, que até ela falar comigo sobre o livro (nem lembro quando, mas não fazia muito tempo não), eu jamais tinha ouvido a respeito. Tampouco sabia quem era Itamar Vieira Junior.

Depois dos olhos esbugalhados, a boca aberta, outras caretas e muitas interjeições de espanto, ela disse a frase que – aleluia!!! – me deu o clique para vir escrever este texto (provavelmente o primeiro de alguns) que ameaço começar a tanto tempo, mas sigo procrastinando como todo o resto em minha vida.

“Mas também, você passou boa parte do ano fora do ar. Nem sei se já aterrissou de verdade…”

17 de março de 2021. Não acredito ser data que esqueça tão rápido não. Saí de casa logo pela manhã, fui buscar meus óculos. Na volta, o caldo entornou. Com o coração disparado e a sensação de que o ar não entrava, parei algumas vezes pelo caminho, em cantos afastados das calçadas, para baixar máscara e “tentar” respirar. Quando cheguei em casa, não lembro como contei o que houve, mas me escorava tonto nas paredes e me enfiei sob o chuveiro frio, onde fiquei por quase meia hora, a tentativa de reequilibrar tudo.

Consegui um atendimento de emergência, o que naquele momento em que a pandemia apertava o cerco mais uma vez, foi uma teleconsulta com um psiquiatra paulista. Dos bons, por sinal.

Mesmo com o devido acompanhamento, com toda a estrutura em casa, com todo o apoio da moça e mais uma ou duas pessoas que sabiam o que acontecia, eu praticamente vegetava. E foram pelo menos quatro, cinco meses assim.

Pelo menos quatro, cinco meses em que eu – literalmente – fugi de tudo e todos. Não respondia mensagens, não atendia o telefone. Não fazia nada além do mínimo mínimo mínimo burocrático obrigatório.

O maior problema, no entanto, é que você não vive assim, não age assim porque quer, porque decidiu. Você, simplesmente, não consegue estar de outra forma. Qualquer ideia, qualquer desejo, qualquer vontade, qualquer movimento, qualquer… tudo faz sua cabeça ou seu corpo ou os dois doerem, seu peito apertar, seu coração disparar, sua respiração parecer não ventilar. A vista nubla, você paralisa.

É físico! E sim, isso mesmo, foram quatro, cinco meses assim. E ela tem razão, até hoje ainda não pousei mesmo. Ainda não fiz um terço do que devo: ligar para pessoas, recuperar ideias e projetos, fazer germinar e deixar crescer os novos, me ver capaz de viver-reviver relações e ações de forma plena.

Dois dias antes da implosão que vivi, no dia 15, fui demitido. Ainda que as circunstâncias tenham sido (muito) recheadas de incoerência e hipocrisia – tanto que as pessoas que faziam os discursos lindos jamais tentaram contato –, a demissão não foi a causa, apenas o disparador. Porque passei esses tais dois dias acelerado, cabeça a mil por hora, fazendo coisas como atualizar currículo e enviar mensagens, juntando documentos e avisando pessoas importantes, e pensando – claro – em como arrumar trabalho novo em plena pandemia, pensão, filhas, contas… Como disse, o disparador.

O processo, como um todo, já tinha começado em 2019, mas isso aqui já está imenso. Então, já já eu volto pra contar outra parte da história.

Cuidem-se.

Arrimo, bússola, inspiração

A vida mais separa que une. Essa é velha, vocês sabem disso. Mas a dor que lembrar disso traz não é menor a cada dia. E esse 2020 caprichou em nos lembrar disso. Que ano feladaputa, afinal de contas.

Apesar de tudo, com todo o cuidado, todo o radicalismo adotado por aqui – que até desgaste na família provocou – nos ajudou a levar em banho maria. Pra mim, ao menos, até novembro. Até 21 de novembro, quando aquela mensagem vinda de Fortaleza mudou tudo. “Nosso amigo querido faleceu”. E a maldita Covid bateu à porta.

Caius faleceu no dia 18, e o atraso da notícia dá bem a medida do afastamento que vivíamos já há algum tempo. Um amigo de quase 30 anos, calouros juntos que fomos. Passei uma noite inteira chorando, pensando na vó Geni e na Jorgete, que sempre me trataram como neto e filho, na Renata e no Gabriel. Porra Kaju!!!!

E depois dele, começou uma avalanche, amigos e amigas que perderam pais e avós em seguida, semanas seguidas de notícias trágicas, de velórios e missas de sétimo dia às quais não tive coragem e estrutura para comparecer. E desde então me fechei em silêncio na minha bolha caseira, sem acessar redes sociais, falando com pouquíssimas pessoas, com tudo agarrado dentro do peito mas sem força pra falar, pra escrever, pra qualquer coisa, ao mesmo tempo em que fazia força pra não receber mais notícias ruins. Até com vergonha de agradecer pelo quase milagre de que, em um país com quase 200 mil mortos, a família, em qualquer direção que se pense, não tomou nem um susto, todos bem e em paz.

Mas aí chegou a véspera de Natal e a primeira mensagem que piscou no meu celular foi da Isabel, “papai, é Natal, é Natal, é Natal!!!!”, uma alegria tão esfuziante e sincera que me obrigou a pensar no que sinto, no que acredito. Afinal, as partidas são sempre doloridas, como não, mas não é essa a vida, vir, viver, cumprir a missão (mesmo que não sejamos capazes de entender) e dar o fora? E o sentido da missão cumprida não deveria nos alegrar, nos deixar leves e orgulhosos por ter feito parte dessas missões?

Não sei mesmo responder.

E o que importa é que hoje é véspera de Natal. Dia de celebrarmos a vida, o nascimento de alguém tão especial que veio ao mundo, cumpriu sua missão, mudou a história do mundo e deu o fora.

É, admito que essa não é uma mensagem de Natal das mais festeiras. Mas o que desejo a todos é um Natal de paz, em casa, chorando nossas partidas e saudades, mas celebrando as vidas de quem passou por nossas vidas. E de quem está por aqui sendo, às vezes até sem perceber, nossos arrimos, nossas bússolas, nossas inspirações.

Em dezembro de 81

Foto: Marcelo Rezende

Foto: Marcelo Rezende

Meu pai é tricolor. E sim, há fotos minhas de criança com a camisa de listras verdes, brancas e grenás. E ali pelos seis, provavelmente sete anos, cheguei em casa e contei pro velho que eu era Flamengo. Já era efeito da geração de um certo Arthur.

Sim, eu sei que a memória falha. E muito. Especialmente sobre as lembranças de infância. Mas não lembro dele discutir o caso, fazer esforço para me fazer voltar atrás. Lembro apenas de um “tem certeza?” e um “não pode voltar atrás, virar a casaca”.

E quando chegamos a 13 de dezembro de 1981, eu tinha oito anos há apenas 15 dias. E como era uma criança com regras e rotinas, dormia e acordava cedo, mas o jogo no Japão começaria à meia-noite no Rio. É claro que eu queria ver o jogo, é claro que eu não aguentaria ficar acordado, mas sou bem capaz de imaginar o quanto não enchi seu saco sobre isso.

Na minha memória, o que não garante nada, chegamos a um meio termo em que eu iria para a cama e ele me acordaria para o jogo. Acho mesmo que foi assim, pois me lembro bem de ver o jogo começar na sala escura do apartamento da rua Souza Franco. Mas não vi nem o primeiro gol de Nunes, aos 13 minutos.

Lembro de ter sido acordado com festa no domingo de manhã, lembro de ter visto tudo o que se falou sobre o jogo e a conquista na TV, lembro até de ter visto um VT completo alguns dias depois.

Ao longo dos anos, fomos muitas vezes ao Maracanã para ver jogos do Flamengo e do Fluminense, juntos. Ele chegou a me levar para ver um Flamengo X Vasco numa quarta-feira à noite, num meio de campeonato, jogo que não valia muita coisa. E fomos a jogos gigantes, como os da fase final do Brasileiro de 1984, saudade do Maraca com mais de 100 mil. Como vimos juntos a final do carioca de 95, daquele maldito gol de barriga.

Também foi com meu pai (e com o Assis), em 83, que eu aprendi a nunca comemorar vitória nem aceitar derrota antes do apito final. Com o jogo no fim e o título “garantido”, saí de casa correndo pra comemorar o título com o Xavier, o porteiro rubro-negro. Enquanto estava no elevador…

Dessas voltas engraçadas que o mundo dá, calhou do Flamengo voltar à disputar o Mundial justamente contra o Liverpool. De novo. E jantamos juntos ontem e, quando perguntei, logo ele que sempre tem um palpite na ponta da língua, ficou pensativo e não disse nada. No sábado, ao contrário de 81, o Liverpool é franco favorito e o que vier é lucro. O “rumo a Tóquio” deu em Doha, o jogo não será à meia-noite e nós não estaremos juntos. Cada um na sua casa, será a vez da minha filha estar ao meu lado (sim, Isabel é rubro-negra e já reclamou que ainda não tem uma camisa…). Mas tenho certeza que, como ao longo de todos os anos depois que paramos de frequentar o estádio juntos, ele ligará pra comemorar a vitória eventual.

Depois, só concentrar no próximo campeonato. Que será duro, jogado à vera e – tenho certeza – vencido.

A vasectomia e uma coleção de foda-ses

Lá vem textão. Porque vou contar pra vocês a história da minha vasectomia.

Todo o processo começou no meio do ano. Marquei uma consulta com um urologista conveniado no plano da firma pra saber e tentar realizar o procedimento que ficou conhecido entre os mais chegados como “cortar as bolinhas”.

O médico explicou tudo direitinho, como funcionava etc., mas disse que eu teria que entrar em contato com o plano porque eles tinham o programa de planejamento familiar e que tudo era feito por eles. E lá fui eu.

NotreDame Intermédica. Guardem bem.

Liguei pro plano e descobri que tinha que assistir duas palestras, uma em cada mês, e depois cumprir as formalidades que a tutela burocrática do estado impõe. Até testemunha tive de apresentar. E mesmo depois de assinar os papeis, descobri que só poderia realizar o procedimento pelo menos 60 dias depois. Vai que eu mudo de ideia, né não…?

Quem me contou essa novidade foi o doutor Bernardo Geoffroy em nossa primeira consulta. Nesta primeira, na rotina de consultas a jato dos dias de hoje, apenas fez o pedido de exames. Na segunda, do mesmo jeito, apenas olhou os exames, preencheu meia dúzia de papéis e me avisou que mandaria todo aquele material para que tudo fosse aprovado pelo plano (apesar de estar realizando todos os procedimentos, desde as malditas palestras, pelo plano) e que, então, eles me ligariam em até 10 dias para fazer o agendamento.

Duas semanas depois e sem nenhum contato do plano, resolvi ligar para saber como andava e descobri que não havia nada registrado no sistema, que a única forma de resolver seria agendar uma nova consulta.

Só pra registar: assinei os papeis em 15 de agosto, ou seja, estava liberado a partir de 15 de outubro. Mas com essa primeira confusão (isso, a primeira), já estávamos em novembro quando houve a terceira consulta. Nela, me disse que eu não era o primeiro paciente que aparecia com o mesmo problema.

E foi nessa consulta que, finalmente, soube que estava agendado para o dia 13 de dezembro, no Samci da Tijuca. Deveria me apresentar às 8h e o médico que me operaria seria o doutor Leandro Vale. Isso mesmo, seria operado por alguém que não conhecia, nunca tinha visto. Nem ele a mim. Ó que maravilha.

A partir daí, organiza-se a vida no trabalho, na família etc. A Flávia, mais que doce companheira, também organizou sua vida para me acompanhar.

Aí, no dia 11 de dezembro, às 8h, recebo um SMS da Intermédica mandando entrar em contato. Achei que fosse alguma confirmação de praxe sobre o procedimento, orientações gerais e tals. E descubro que, de véspera, a cirurgia foi antecipada para o dia 12 por conta da agenda do médico. Esse foi só o primeiro foda-se.

Quando perguntei sobre as alternativas, a resposta foi a seguinte: aceitar ou não se apresentar e reagendar. Taí o segundo foda-se. Para os dois primeiros, a certeza de que só a agenda do médico é importante e que nós, reles mortais, e nossas vidas que nos adequemos.

No dia 12, lá fui eu para o Samci às 8h da manhã e, quando cheguei, soube que eu não estava no mapa de cirurgias do dia:

– sinto muito, isso é comum com os pacientes do doutor Leandro.

Apenas depois de quase arrumar um rebu é que a mocinha da recepção resolveu se mexer e me encaminhar para a mocinha que cuida das cirurgias. Ela, então, descobriu que eu deveria estar no Quali Ipanema. Não é ótimo? Por que o corno que me atendeu quando liguei, não avisou que tinha mudado a data e o hospital? Taí o terceiro foda-se.

Com todo o trânsito do horário, e depois de uma pequena fortuna de táxi, chegamos lá às 9h. Me apresentei, entreguei documentos, respondi algumas perguntas e ganhei uma pulseirinha. E como cheguei “atrasado”, sabia que estava no fim da fila. Sim, porque não tinha hora marcada pra cirurgia não, era por ordem de chegada. E o tempo passa…

Lá pelas tantas, fui perguntar se havia alguma previsão pra ser chamado e a mocinha me disse o seguinte:

– O médico nem chegou ainda. Eles mandam todo mundo chegar às 8 pra cadastrar. Quando o médico chega, é só chamar e pronto. Aí é rapidinho… Taí o quarto foda-se. Continuem contando.

O médico, aquele que ia cortar minhas bolinhas mesmo sem me conhecer, chegou às 11h, quando já estava há 12 horas em jejum. E sim, essa foi uma orientação. Chegar às 8 em jejum de ao menos oito horas. Jantamos às 23.

Fui chamado, finalmente, às 14h47. Fui levado para o centro cirúrgico em algum momento entre 15h30 e 15h40. Às 16h45 avisei à minha moça que já estava acordado e de volta no quarto.

Pouco tempo depois, recebi uma enfermeira com uns papeis na mão. Entre eles, uma receita com algumas recomendações.

– Legal. E quando o médico passa pra falar com ele?

– Ele não passa não, tá tudo aí.

– Não tá não, tenho um monte de perguntas pra fazer.

– Mas ele não passa não…

Taí o quinto foda-se. E continuo sem olhar na cara do sujeito que cortou minhas bolinhas.

Entre as recomendações, está “agendar revisão”. Assim mesmo, sem prazos ou nada mais. Liguei agora há pouco para a Intermédica.

– O doutor Bernardo só tem agenda para 14 de janeiro

– E eu vou ficar um mês sem a revisão da cirurgia? Tem algum outro médico que possa me atender.

– Revisão cirúrgica é só com ele mesmo.

– Então como é que eu faço? Um mês pra fazer revisão?

– O último dia que ele atende é segunda-feira, 17 de dezembro. Mas a agenda está muito cheia. Posso tentar um encaixe e se conseguir, nossa central avisa.

– E eu vou ficar um mês com os pontos? Esperando infeccionar etc?

– Não, pra tirar os pontos o senhor pode ir até nosso centro de saúde e procurar a equipe de enfermaria. Se algo estiver errado, se for necessário, as enfermeiras chamam o médico de plantão para atende-lo.

– É sério isso?

– O senhor pode ir entre 8 e 10h35, que é o horário em que o Dr. Bernardo estará atendendo. Aí, se for necessário, as enfermeiras o chamam para vê-lo.

Entenderam? A agenda do cara está lotada porque ele só atende por duas horas e trinta e cinco minutos (por extenso mesmo, pra ninguém esquecer). 

Sinceramente, perdi a conta dos foda-ses. A Intermédica está de parabéns por todo esse atendimento exemplar de sua equipe, né não?

9

Foi no último fim de semana, durante a viagem do feriado, que caiu a ficha. Com o peso de uma bigorna, é bom que se diga. 9!

Foi um fim de semana especial pra ela, que pelas circunstâncias, pelos relacionamentos ao redor das duas mais novas, sempre abre mão de tantas coisas, sempre disposta a fazer tudo certo e ajudar até quando não precisa.

Foi um fim de semana especial pra ela, com tanta liberdade. E ver sua independência e sua personalidade florescerem em todos os aspectos. Essa moleca é do balacobaco.

E foi um fim de semana especial pra mim, que pelas mesmas tais circunstâncias, tenho tão poucas oportunidades de estar só, de fazer coisas, de ter conversas só com ela. Ao mesmo tempo que ela ficou tão livre e solta, há muito não tínhamos tantos momentos só nossos.

E ela chegou aos 9. E a tal bigorna pesa entre os momentos em que ela já se comporta como a adolescente que será muito em breve e aqueles em que ela – talvez sem se dar conta – ainda se permite ser uma criancinha que rola de rir com um palhaço sem graça. Entre a garota que já tem vergonha dos micos do pai e a menina que pede colo.

9. Já faz 9 anos que ela chegou, que minha vida virou do avesso, que minha vida ganhou sentido, todos os clichês possíveis, imagináveis e muito reais.

Vi por aí que o 9 representa a mais alta forma do amor universal. Taí a definição.

O Aurora da minha vida

Comecei a velejar meio por acaso, depois de passar anos dizendo algo do tipo “velejar? Eu? Nunca! Imagina sair de casa pra ficar fazendo força o dia inteiro, justo no dia de descansar”. É, esse negócio de dizer nunca é mesmo engraçado, porque a gente sempre (sempre!!!) paga pela língua, né não. E já faz mais de uma década que comecei nesse negócio. Na verdade, faltam poucas semanas para completar 11 anos desde que pisei em um veleiro pela primeira vez, tentando ser um tico mais exato.

Nesse tempo todo, perdi a conta de quantas regatas participei. Além do bravo Picareta – o Velamar 22 em que disputei estaduais, brasileiros e circuitos Rio – e do Fandango – Schaefer 31 em que corri duas Santos-Rio –, tive a oportunidade de conhecer outros muitos veleiros, incluindo aí o Brasil 1 em 2007, máximo da tecnologia embarcada e de construção da época. Mas nunca tinha estado em um catamarã. E nem foi falta de curiosidade não, só oportunidade mesmo. Até que apareceu o Aurora.

Um tapa

E foi mais ou menos assim:  voltas e voltas da vida, chegou a hora de encarar que o mundo mudou, que empregos como os que conhecemos praticamente não existem mais e tals. Num encontro feliz com dois amigos de décadas, a decisão: vamos dar um tapa na nossa vida. E nasceu a Tapa Digital.

Na hora de colocar o bloco na rua, naturalmente apontamos, primeiro, para os amigos. Avisar que nascemos, algo como “ó, tamo na pista, #vemdarumtapa!”. E depois de 10 anos velejando e construindo relacionamentos nessa nesga de mundo que é a vela, nem foi estranho que o nosso primeiro cliente fosse um velejador. Na verdade, mais que isso, um veleiro. O Aurora.

A experiência

Um dia, num chope com quem quiser, conto a história em detalhes. Mas, basicamente, a Tapa nasceu de manhã e na mesma tarde o sujeito ligou. “Tô realizando um sonho e acho que vocês vão gostar de sonhar junto comigo”.

Como não há forma melhor de comunicar uma experiência do que vivendo a tal, chegou o dia de conhecer e experimentar um catamarã. E tudo o que enrolei até agora foi pra falar sobre isso: como é sensacional estar em um catamarã. E sei que posso falar por mim – que sou velejador – e ao mesmo tempo pela turma que carreguei, que nunca tinha experimentado nenhum tipo de veleiro.

Primeiro, a sensação de paz absoluta. Mar, silêncio, vento. Desculpem, mas se vocês nunca viveram isso, aviso logo: não tem preço. A turma – crianças de 3, 5 e 7 anos, além da moça de quem sou consorte (com muita sorte, na verdade, apesar do trocadilho infame) – se sentiu à vontade e segura desde o início. E experimentaram tudo, desde deitar na proa sentindo os respingos da água salgada até pegar no leme e tocar o barco. E a mistura de sorriso com o dia vivido e a chateação do “ah, já acabou?” na hora do desembarque fala muito.

Da minha parte, velejador “experiente” de barcos que caturram como cavalos de rodeio… Putz, que sossego. A estabilidade (o bicho não balança, é incrível) e a facilidade pras regulagens são um alento. Foi mesmo um dia pra guardar na memória, uma daquelas coisas que você precisa transformar em hábito. Voltar e voltar e velejar e velejar…

Chapa branca

É, estava na dúvida se eu devia escrever isso. Você pode estar aí pensando “claro que ele só vai falar bem do Aurora, é cliente. Ainda por cima, é o primeiro cliente”. Talvez você tenha razão. Mas me convenci com a seguinte impressão: se fosse só um cliente comum, bastava seguir o manual, desenvolver as peças e campanhas, estratégias e tudo o mais. Seria simples, nem daria tanto trabalho.

Mas quer saber de uma coisa? Foi pessoal. É uma experiência pessoal, intransferível e inesquecível. Pra mim, pras minhas filhas e enteada, pra mulher que amo (que vira e mexe pergunta quando vamos voltar, “ó, o verão tá chegando”).

Talvez você leia isso tudo e nem me conheça. Não importa. Se chegou até aqui, me sinto no direito de dar uma ideia: vá conhecer o Aurora, vá #descobrirAurora. E se está na dúvida, se ainda está na dúvida, corra o risco. Aproveita que tá rolando uma promoção, a #primaveraAurora, vai que você ganha. Fica fácil fácil. Do meu cantinho, arrisco afirmar: você não vai se arrepender.

Galeão ou Cumbica

Levantando-voo-e1460306680878Esse papo de redes sociais é mesmo um barato. Ao menos na maioria das vezes. Foi assim que conheci a Camila, que compartilhou o texto do Sergio Pugliese com a seguinte observação: “Para quem é empresário, né?”.

Com a rede, nos descobrimos. Ela já tinha ouvido falar de mim, eu já tinha ouvido falar dela. Moramos relativamente perto um do outro, tivemos oportunidades, mas nada de nos encontrar. E ficou aquela “amizade” via livro de caras, nos falamos algumas vezes e tals.

E um dia, muito por acaso, nos encontramos na frente da empresa em que trabalhava e para a qual eu estava prestando um serviço. Encontro rápido, pouco mais que um reconhecimento mútuo com ar de finalmente, “que legal”, “até que enfim” etc.

Pois há algumas semanas, poucos meses, ela foi saída da tal empresa onde – até onde sabemos – ia muito bem, feliz, com resultados, camisa mais que vestida etc e tals. Chegamos a nos falar, vamos colocar a rede pra funcionar e tentar resolver. Mas que nada, ela foi uma das que deu no pé e aterrissou na terrinha.

Talvez ela tenha razão. Ao menos tenho certeza que tem as razões dela.

E como sabemos, não é a única. Alguns outros amigos se mandaram, vários na verdade. Não só para Portugal, mas vários pra lá. Outro, irmão, vai na semana que vem. Fora uma família de novos amigos de infância que, ele já está e elas partem nesta semana.

O texto do Pugliese é lindo, no melhor clima “não vamos desistir da batalha jamais”. Sei não…

Eu mesmo já pensei na possibilidade de me mandar, pra qualquer lugar. Ainda que não seja pra fora do Brasil, basta ser fora do Rio, da rotina e do abandono da cidade. E não, não é apenas um caso de apenas mais divulgação em tempo real como ele diz no texto. Está pior, muito pior. Mas tenho as amarras que me prendem (e das quais não quero me soltar). Filhas, família, amigos, amor…

Enquanto isso, ainda há uma pergunta que meu pai me fez há alguns dias que não sai da minha cabeça: “você toparia ir trabalhar em Porto Seguro com a fulana?”. A resposta na hora foi “claro que sim”. Afinal já são três anos sem um emprego formal, fazendo frilinhas que quase nunca pagam as contas, dependendo da ajuda da família. E ainda que seja maravilhoso ter uma família capaz de dar o suporte que preciso, não é nada fácil viver assim. Não mesmo.

Mas tenho as amarras… E acreditem, é um sofrimento tentar equilibrar tudo isso.

Hoje, aproveitando o gancho da própria Camila, tento fazer andar minha própria empresa. A Tapa Digital, que graças ao Brasil, suas dificuldades, burocracias e custos, ainda vive na esfera da iniciativa, e nasceu com três amigos de décadas na mesma situação. E estamos engatinhando. É verdade que pouco mais rápido que os passos de um cágado, mas vamos indo.

Será que criei mais uma amarra ou será que, como diz o Ricardo, “nosso trabalho está na nossa cabeça e na ponta dos nossos dedos, vai com a gente pra onde a gente vai”. Não sei responder, de verdade.

Mas o que vejo por aí, andando por aí e conversando muito com todo mundo que posso, é que há um desânimo avassalador, um clima geral de desistência. Com a cidade, com o estado, com o país. Vejo a turma de cabeça baixa e me sinto dando murros em pontas de facas.

Não tenho as respostas. Mas sei que se pudesse carregar minhas filhas e meu amor, dava no pé agora, hoje. Amigos e família dão sempre um jeito, visitas, encontros, as redes. E mesmo que eu não consiga ou não possa dar no pé, tento me estruturar para preparar as mocinhas para voarem o quanto antes. E digo e penso e sinto tudo isso com uma tristeza profunda.

Reza a lenda que a frase é de Roberto Campos, que “a saída para o Brasil é o aeroporto do Galeão ou Cumbica”. Ouço isso desde criança. E foram tantos anos de lutas, de sonhos, de tentativas que em alguns momentos até pareceram estar no caminho certo. E pronto, voltamos a ouvir e até a pensar assim.

Sim, ando triste. Muito. Decepcionado, desanimado, frustrado. E não vejo bons sinais, o horizonte anda curto. Sim, tentamos, insistimos, “vamos dar um tapa na vida”. Será?

Um raio

Ela nasceu há cinco anos. E eu a conheci há quatro anos, nove meses e quatro dias. E por muita sorte, fui o primeiro a pegá-la no colo. E ela me enganou!!! Olhou no fundo dos meus olhos, sorriu e eu me derreti achando que era a última bolacha do pacote.

Demorou pouco pra descobrir que ela fazia (e continua fazendo) isso com todo o mundo ao seu redor.

Olhos que faíscam, covinhas que desarmam qualquer um. Ela é raio, é pura luz que, ao mesmo tempo, inebria e acalenta quem está por perto. E seu coração é maior que o mundo. E não, não há corujice aqui. Porque não é nada de fácil não, tem um gênio que Deus me livre. E quando encrenca, sai de baixo.

Ela é assim. O mundo que se prepare, porque ela vai virá-lo de ponta-cabeça. Esse, aliás, já é um costume seu desde sempre, virou todos os nossos mundos. O meu, por exemplo, é virado e revirado algumas vezes a cada dia que estamos juntos.

Dizem por aí que temos, nós adultos, muito a ensinar às nossas crianças. Sei não, desconfio disso. Porque muito além do concreto, é ela que me ensina, que me faz tentar ser alguém melhor todos os dias; é ela, irradiando seu amor, que me ensina o que é amar. É por isso que agradeço por você estar na minha vida, por ter sorrido e piscado e me enganado. Por permitir que eu seja seu pai.

Parabéns minha filha. Parabéns Isabel.