O começo da história

A depressão é uma doença (acho que hoje todo mundo já entende isso né) crônica, provocada por uma disfunção bioquímica do cérebro. (Muito) Grosso modo, me disse um psiquiatra, é como uma inflamação do cérebro. E quando o sujeito está em crise, ou seja, com a caixola muito inflamada, ela simplesmente não funciona. E se ela não funciona…

Fui diagnosticado em 2014, depois de resistir muito à ideia de que era esse o meu problema, de que deveria procurar um médico. Quando finalmente cheguei ao consultório, eu já estava em crise – acreditem – há cerca de dois anos. Com o devido acompanhamento, você aprende a viver e identificar o que pode disparar suas crises, e como lidar com todos esses cenários.

Mas, mesmo o devido acompanhamento, não o livra de fazer cagadas. E vou lhes contar algo: eu capricho.

No texto anterior, disse que o processo que explodiu em 2021 foi iniciado em 2019 (tinha escrito 2018, mas já consertei). Na verdade, foi mais ou menos assim: 2017 chegando ao fim com mais um período de desemprego e eu aos 44 anos. Eis que surge a oportunidade de criar algo, abrir minha própria empresa. Comigo, dois sócios: um amigo de mais de 30 anos – daqueles que, apesar dos hiatos da vida, se frequentam as casas, famílias, filhas – e um seu amigo, também, de mais de década.

Erro 1: Não seja uma criança de 5 aos 45

“Amigos, amigos. Negócios à parte.” Sabedoria popular não seria sabedoria se não fosse, óbvio, sábio. A questão sempre será a interpretação e, apesar de tudo, eu jamais teria outra empresa com um sócio que não fosse amigo. A firma andava devagar, mas andava. E estava sob controle, contas em dia etc. Ou deveria.

É claro que nem eu nem ninguém tem culpa se um outro sujeito é desonesto e mentiroso compulsivo. Mas se você tem uma empresa, lida com clientes e quer “brincar” de ser adulto, não pode confiar em ninguém de olhos fechados, sem controlar tudo de perto. Mesmo que você conheça o tal sujeito há mais de 30 anos e tudo o mais que já contei lá em cima.

E ao misturar a pancada prática com a destruição dos afetos envolvidos, é claro que deu merda.

Erro 2: A vida não é um filme no velho oeste

Ao abrir uma empresa, é necessário se preparar para a possibilidade do fracasso, claro. Tinha me programado para um prazo de definição de dois a dois anos e meio, ou engrena ou encerra, essas coisas. Racionalmente (e teoricamente), tudo lindo.  Mas era eu.

Idiota e emocionalmente, não fui capaz de administrar nada. Dadas as minhas circunstâncias e os meus medos, além do cenário ao redor, o Brasil apontando cada vez mais para o sucesso (precisa explicar que contém ironia?), encarei tudo aquilo como a bala de prata da minha carreira. Aí, quando deu errado, eu desmoronei.

Erro 3: O Exército de Um Homem Só é apenas um livro muito bom

Toda essa merda explodiu entre março e abril de 2019. E a verdade é que nem posso reclamar da sorte, pois pouco tempo antes eu havia sido convidado para um projeto que duraria até o fim do ano. Ao menos tinha um trabalho que, além de salvar alguma grana, ainda ajudava a mascarar o problema. Só pra mim, claro.

Porque quem me conhece de verdade e estava ao meu redor (inclusive no trabalho) sabia que havia algo errado e tentava acessar o problema, mas eu dava um jeito de escorregar das conversas. Masculina e estupidamente, acreditei que seria capaz de lidar com e resolver tudo sozinho. Mas qual a chance disso dar certo? O Exército de Um Homem Só é apenas um livro muito bom (e uma música ruim dos Engenheiros), mas nem Scliar arriscou fazer essa maluquice funcionar.

Toda essa história, e todos esses erros, foram os pontos de partida da crise que ainda vivo. De quebra, fez surgir uma espécie de nuvem negra que pairou sobre mim durante todo esse período. E quanto mais o tempo passava, mais fechado ia vivendo, e quando a merda toda veio à tona, trouxe uma quebra de confiança que quase pôs fim ao meu casamento. E a tal nuvem só foi dissipada em novembro do ano passado, com a ajuda (ora, vejam só!!!!) do meu pai.

No dia seguinte a assinar os documentos que me livraram definitivamente da empresa, tive um piripaque no coração. Coincidência, claro. Mas isso é outra história que já já eu volto pra contar.

Continuem se cuidando. Por favor.

17 de março de 2021

Ontem, quando eu e Flávia, minha conge (taí uma palavrinha ótima que foi agregada ao léxico nacional, né não?), assistíamos a uma aula de escrita criativa, o professor falou de “Torto Arado”, só o livro mais vendido de 2021. Confessei, então, que até ela falar comigo sobre o livro (nem lembro quando, mas não fazia muito tempo não), eu jamais tinha ouvido a respeito. Tampouco sabia quem era Itamar Vieira Junior.

Depois dos olhos esbugalhados, a boca aberta, outras caretas e muitas interjeições de espanto, ela disse a frase que – aleluia!!! – me deu o clique para vir escrever este texto (provavelmente o primeiro de alguns) que ameaço começar a tanto tempo, mas sigo procrastinando como todo o resto em minha vida.

“Mas também, você passou boa parte do ano fora do ar. Nem sei se já aterrissou de verdade…”

17 de março de 2021. Não acredito ser data que esqueça tão rápido não. Saí de casa logo pela manhã, fui buscar meus óculos. Na volta, o caldo entornou. Com o coração disparado e a sensação de que o ar não entrava, parei algumas vezes pelo caminho, em cantos afastados das calçadas, para baixar máscara e “tentar” respirar. Quando cheguei em casa, não lembro como contei o que houve, mas me escorava tonto nas paredes e me enfiei sob o chuveiro frio, onde fiquei por quase meia hora, a tentativa de reequilibrar tudo.

Consegui um atendimento de emergência, o que naquele momento em que a pandemia apertava o cerco mais uma vez, foi uma teleconsulta com um psiquiatra paulista. Dos bons, por sinal.

Mesmo com o devido acompanhamento, com toda a estrutura em casa, com todo o apoio da moça e mais uma ou duas pessoas que sabiam o que acontecia, eu praticamente vegetava. E foram pelo menos quatro, cinco meses assim.

Pelo menos quatro, cinco meses em que eu – literalmente – fugi de tudo e todos. Não respondia mensagens, não atendia o telefone. Não fazia nada além do mínimo mínimo mínimo burocrático obrigatório.

O maior problema, no entanto, é que você não vive assim, não age assim porque quer, porque decidiu. Você, simplesmente, não consegue estar de outra forma. Qualquer ideia, qualquer desejo, qualquer vontade, qualquer movimento, qualquer… tudo faz sua cabeça ou seu corpo ou os dois doerem, seu peito apertar, seu coração disparar, sua respiração parecer não ventilar. A vista nubla, você paralisa.

É físico! E sim, isso mesmo, foram quatro, cinco meses assim. E ela tem razão, até hoje ainda não pousei mesmo. Ainda não fiz um terço do que devo: ligar para pessoas, recuperar ideias e projetos, fazer germinar e deixar crescer os novos, me ver capaz de viver-reviver relações e ações de forma plena.

Dois dias antes da implosão que vivi, no dia 15, fui demitido. Ainda que as circunstâncias tenham sido (muito) recheadas de incoerência e hipocrisia – tanto que as pessoas que faziam os discursos lindos jamais tentaram contato –, a demissão não foi a causa, apenas o disparador. Porque passei esses tais dois dias acelerado, cabeça a mil por hora, fazendo coisas como atualizar currículo e enviar mensagens, juntando documentos e avisando pessoas importantes, e pensando – claro – em como arrumar trabalho novo em plena pandemia, pensão, filhas, contas… Como disse, o disparador.

O processo, como um todo, já tinha começado em 2019, mas isso aqui já está imenso. Então, já já eu volto pra contar outra parte da história.

Cuidem-se.

O Aurora da minha vida

Comecei a velejar meio por acaso, depois de passar anos dizendo algo do tipo “velejar? Eu? Nunca! Imagina sair de casa pra ficar fazendo força o dia inteiro, justo no dia de descansar”. É, esse negócio de dizer nunca é mesmo engraçado, porque a gente sempre (sempre!!!) paga pela língua, né não. E já faz mais de uma década que comecei nesse negócio. Na verdade, faltam poucas semanas para completar 11 anos desde que pisei em um veleiro pela primeira vez, tentando ser um tico mais exato.

Nesse tempo todo, perdi a conta de quantas regatas participei. Além do bravo Picareta – o Velamar 22 em que disputei estaduais, brasileiros e circuitos Rio – e do Fandango – Schaefer 31 em que corri duas Santos-Rio –, tive a oportunidade de conhecer outros muitos veleiros, incluindo aí o Brasil 1 em 2007, máximo da tecnologia embarcada e de construção da época. Mas nunca tinha estado em um catamarã. E nem foi falta de curiosidade não, só oportunidade mesmo. Até que apareceu o Aurora.

Um tapa

E foi mais ou menos assim:  voltas e voltas da vida, chegou a hora de encarar que o mundo mudou, que empregos como os que conhecemos praticamente não existem mais e tals. Num encontro feliz com dois amigos de décadas, a decisão: vamos dar um tapa na nossa vida. E nasceu a Tapa Digital.

Na hora de colocar o bloco na rua, naturalmente apontamos, primeiro, para os amigos. Avisar que nascemos, algo como “ó, tamo na pista, #vemdarumtapa!”. E depois de 10 anos velejando e construindo relacionamentos nessa nesga de mundo que é a vela, nem foi estranho que o nosso primeiro cliente fosse um velejador. Na verdade, mais que isso, um veleiro. O Aurora.

A experiência

Um dia, num chope com quem quiser, conto a história em detalhes. Mas, basicamente, a Tapa nasceu de manhã e na mesma tarde o sujeito ligou. “Tô realizando um sonho e acho que vocês vão gostar de sonhar junto comigo”.

Como não há forma melhor de comunicar uma experiência do que vivendo a tal, chegou o dia de conhecer e experimentar um catamarã. E tudo o que enrolei até agora foi pra falar sobre isso: como é sensacional estar em um catamarã. E sei que posso falar por mim – que sou velejador – e ao mesmo tempo pela turma que carreguei, que nunca tinha experimentado nenhum tipo de veleiro.

Primeiro, a sensação de paz absoluta. Mar, silêncio, vento. Desculpem, mas se vocês nunca viveram isso, aviso logo: não tem preço. A turma – crianças de 3, 5 e 7 anos, além da moça de quem sou consorte (com muita sorte, na verdade, apesar do trocadilho infame) – se sentiu à vontade e segura desde o início. E experimentaram tudo, desde deitar na proa sentindo os respingos da água salgada até pegar no leme e tocar o barco. E a mistura de sorriso com o dia vivido e a chateação do “ah, já acabou?” na hora do desembarque fala muito.

Da minha parte, velejador “experiente” de barcos que caturram como cavalos de rodeio… Putz, que sossego. A estabilidade (o bicho não balança, é incrível) e a facilidade pras regulagens são um alento. Foi mesmo um dia pra guardar na memória, uma daquelas coisas que você precisa transformar em hábito. Voltar e voltar e velejar e velejar…

Chapa branca

É, estava na dúvida se eu devia escrever isso. Você pode estar aí pensando “claro que ele só vai falar bem do Aurora, é cliente. Ainda por cima, é o primeiro cliente”. Talvez você tenha razão. Mas me convenci com a seguinte impressão: se fosse só um cliente comum, bastava seguir o manual, desenvolver as peças e campanhas, estratégias e tudo o mais. Seria simples, nem daria tanto trabalho.

Mas quer saber de uma coisa? Foi pessoal. É uma experiência pessoal, intransferível e inesquecível. Pra mim, pras minhas filhas e enteada, pra mulher que amo (que vira e mexe pergunta quando vamos voltar, “ó, o verão tá chegando”).

Talvez você leia isso tudo e nem me conheça. Não importa. Se chegou até aqui, me sinto no direito de dar uma ideia: vá conhecer o Aurora, vá #descobrirAurora. E se está na dúvida, se ainda está na dúvida, corra o risco. Aproveita que tá rolando uma promoção, a #primaveraAurora, vai que você ganha. Fica fácil fácil. Do meu cantinho, arrisco afirmar: você não vai se arrepender.

Hora de plantar

Fotos: Flávia Souza Rocha

Alguns dias, por mais simples que pareçam, entram para a nossa história. Fácil assim. Foi o caso da sexta-feira, feriado de Tiradentes.

A previsão não era das melhores e, a princípio, era apenas um compromisso de trabalho. Descobrir Aurora… Eu iria a bordo cedinho para conhecer o barco, ver o que era necessário fazer e preparar tudo para a sessão de fotos que estamos preparando. Mas aí…

– Armando, e se ao invés de passar lá correndo, déssemos um passeio. É fim de semana de crianças e acho que elas adorariam.

– Claro, vambora.

E lá foi a família tralalá ver o Rio por um ângulo diferente. Com o dia lindo, saímos do clube em direção a Copacabana. Até aí, nada demais. O detalhe é que foi a primeira vez das mocinhas a bordo. E foi incrível.

Depois do encantamento, da surpresa de como é um veleiro por dentro, de dar algumas voltas pelo convés, de se espantarem com o tamanho das velas e até por ver peixinhos ao redor, começaram a colocar a curiosidade pra fora. E foi um tal de “pai, o que é isso?” e “pai, pra que serve aquilo?” que achei que não teria mais fim. Bússola, cabos, anemômetro, estais, âncora, maré, as fortalezas, tudo era descoberta.

E Armando, que durante muitos anos trabalhou com crianças, não se fez de rogado quando Isabel, com seus quatro, quase cinco anos, decidiu: “quero dirigir o barco!”. Colocou a mocinha no leme e começou a explicar, mostrar no que precisava prestar atenção e tudo o mais. E ela aproveitou e ficou por ali quase meia hora. E até discutiu com ele pra que lado ir quando o vento deu uma torcidinha.

Helena também aproveitou a chance e ainda tirou onda com uma mão só na roda de leme, enquanto não parava de se espantar porque “estamos no oceano pai!!!” É verdade, que não ficou tanto tempo no timão, mas estava à vontade que só ela…

No fim do dia o vento merrecou, a maré atrapalhou e não conseguimos chegar a Itaipu pra parar e dar um mergulho. Sem problemas. Antes mesmo de desembarcar, Isabel já avisava que “agora quero correr regata com você” e Helena perguntava, de olho comprido para os optimists que passavam, se “a gente pode voltar toda semana?”.

Se a vida é plantar, a semente foi posta. E, pelo jeito, já está germinando. Agora é só cuidar. Com vento e água salgada, claro.

Poesia mora lá…

bandeira_do_gres_imperio_serrano-800x509O primeiro carnaval de que tenho realmente memória foi o de 1984. Não me refiro aos bailinhos no Vila nem dos bate-bolas no Boulevard. Falo de escolas de samba e do arrastão que a Mangueira provocou, indo e voltando pela nova avenida do samba.

Naquele tempo os desfiles entravam pela manhã e a Portela já tinha deixado todo mundo de boca aberta no domingo (manhã de segunda, na verdade).

Enfim, foi por causa daquele carnaval que me formei mangueirense. E foi por causa destes dois desfiles que me apaixonei pelo carnaval da Sapucaí. Com o tempo, fui aprendendo e entendendo cada escola, o significado de cada uma pra história do carnaval e da cidade.

E depois de um bom bocado de desfiles – no grupo especial e de acesso – e de uns bons anos sem colocar os pés na avenida, ganhei um presente. Daqueles que não dá pra se medir.

Império Serrano.

Não sei se a meia-dúzia que 8 ou 9 amigos, do Rio e de fora, tem a noção do que significa isso. Império Serrano.

Tentei não dar bandeira, fiz força para ficar um tanto blasé, mas fiquei tenso durante todo o dia, especialmente na concentração, como não fiquei nem na primeira vez em que desfilei.

É um símbolo, tem uma aura diferente. E nem se trata de ser imperiano, mas de se dar conta do que representa.

É uma instituição, ao lado da minha Mangueira e da Portela. E pra mim, ao lado da Vila, meu bairro querido onde nasci e me criei, de Noel e de Martinho.

De quebra, vejam só, entrei na avenida comemorando o aniversário do meu irmão, que estava ao lado, da minha comadre querida e dela. Ela, imperiana devota de ficar com o coração disparado só de ouvir o primeiro acorde do cavaco, e que me levou para viver esse presente. Foi a certeza de que meu quintal é maior que o mundo.

Desfilamos no sábado, grupo de acesso em que o Império nunca deveria estar, e estou escrevendo antes de saber o resultado da apuração, antes de saber se, no ano em que comemora 70 anos, o menino de 47 vai voltar ao Grupo Especial. Porque não importa. Porque, como disse aí em cima, foi um presente vivido.

Não sei se será possível – algum dia – lhe proporcionar algo parecido com o que vivi nessa “festa” de 10 meses.

E neste fevereiro sem o dia 29 em que contamos nosso tempo, neste primeiro dia de março, aniversário da nossa cidade, “cantando eu declamo esse amor por você.”