Espelhos e superficialidades

Como é bom falar sobre espelhos. E podemos começar com Rubens Ricupero. Lembram dele, ministro da Fazenda ali por 1994 e que foi pego por um sincericídio nos bastidores de uma entrevista que daria a Carlos Monforte e que, por azar (dele, claro) foi captado por parabólicas pouco antes de entrar ao vivo, não lembro se no Jornal Nacional ou da Globo.

Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde.

Pois bem, vivemos no país do “agora vai”, de ruptura em ruptura, de salvador da pátria em salvador da pátria, de mito em mito. Até que chegamos ao atual. Até um pombo seria melhor que ele, sabemos disso. E também sabemos as razões disso.

Mas lembrem-se que o objetivo é falar dos espelhos e da frase brilhante do ex-ministro.

O amigo Mario Leme, há alguns dias, disse aquele bom e velho óbvio ululante que, de tão óbvio, teimamos em não ver. Mesmo quando vemos.

Lula Livre não quer ser Lula Livre porque com Lula Livre não há Lula Livre.

Voltemos aos espelhos, pois.

Eliane Brum tem um texto brilhante. E escreveu trocentos artigos sobre o mito, todos desmontando o mito, todos (os que eu li) com muita razão. E todos compartilhados feericamente por muitos dos amigos que compõem minha bolha. Menos o último. Será por quê?

É da essência do maniqueísmo apagar as complexidades. Num país polarizado, o maniqueísmo serve aos dois polos. Ou é todo o mal, ou é todo o bem. (…) Nas entrevistas que Lula tem dado para preparar sua possível saída da prisão, ele deixa claro que seguirá apostando no fortalecimento do próprio mito.

Cliquem aqui e leiam o artigo. Inteiro. Até é sobre Belo Monte. Mas é sobre algo muito mais profundo que a maldita usina. E vamos enfiar nas nossas digníssimas cabeças, esses belos enfeites que balançamos sobre o pescoço: enquanto seguirmos na superficialidade, não chegaremos a qualquer lugar, seguiremos estacionados – como numa espécie de dimensão paralela – numa eterna Sucupira.

Lágrimas de crocodilo

Essas fotos foram tiradas na última visita ao Museu Nacional. 8 de julho, Dia Nacional da Ciência. Levei Helena para encontrar uma amiga da escola. Dia de festa e muitas atividades no museu.

Cheguei em casa comemorando com a Flávia, que o museu estava lindo, as exposições incríveis, o clima era ótimo, que a quantidade de boquinhas abertas e exclamações por todos os lados era incontável.

Mas havia lá, à vista de todos, um monte de coisas erradas, como fios aparentes, por exemplo. E um monte de coisas que não se via. E várias faixas e impressos em protesto contra a falta de investimento.

Daqui a pouco, bem pouco, teremos eleições. Todos os candidatos, TODOS, vão tentar pegar carona na tragédia, não tenham dúvidas. Já começaram, na verdade. E fazer todas as acusações imagináveis, uns contra os outros, claro.

E pra ficar só no óbvio, vale lembrar que o governo FHC foi uma lástima para a educação em geral e as universidades em particular. Vale lembrar que Lula abriu trocentas universidades Brasil afora, mas que não cuidou das que já existiam. Dilma… Bom, Dilma foi a Dilma. E Temer foi o cara que fez o teto dos gastos e bloqueou os investimentos. Aprovado por esse fabuloso congresso que – pelas estimativas – terá 75% de seus integrantes reeleitos. Ou seja, como disse o Ricardo no outro dia, pode até eleger Jesus que não dá jeito.

A situação no estado do Rio é ainda pior. Acreditem.

Não vou tentar convencer vocês a votar em A ou B, não é esse o caso. Até porque, se contar a meia dúzia de 3 ou 4 leitores que passam por aqui, não muda nada. Mas tentem, por favor, fazer um esforço de pesquisa e de consciência na hora de decidir seu voto. Tentem olhar menos para onde seu calo aperta e pensar um tico mais no mundo ao redor, desenvolver um senso de comunidade, identificar o que seria bom para todos.

E filtrem as lágrimas de crocodilo que estão rolando neste momento, porque a verdade é que todos, TODOS, sempre cagaram e andaram pra esses negócios que só servem pra perturbar, educação, história, ciência, memória, essas merdas.

Poesia mora lá…

bandeira_do_gres_imperio_serrano-800x509O primeiro carnaval de que tenho realmente memória foi o de 1984. Não me refiro aos bailinhos no Vila nem dos bate-bolas no Boulevard. Falo de escolas de samba e do arrastão que a Mangueira provocou, indo e voltando pela nova avenida do samba.

Naquele tempo os desfiles entravam pela manhã e a Portela já tinha deixado todo mundo de boca aberta no domingo (manhã de segunda, na verdade).

Enfim, foi por causa daquele carnaval que me formei mangueirense. E foi por causa destes dois desfiles que me apaixonei pelo carnaval da Sapucaí. Com o tempo, fui aprendendo e entendendo cada escola, o significado de cada uma pra história do carnaval e da cidade.

E depois de um bom bocado de desfiles – no grupo especial e de acesso – e de uns bons anos sem colocar os pés na avenida, ganhei um presente. Daqueles que não dá pra se medir.

Império Serrano.

Não sei se a meia-dúzia que 8 ou 9 amigos, do Rio e de fora, tem a noção do que significa isso. Império Serrano.

Tentei não dar bandeira, fiz força para ficar um tanto blasé, mas fiquei tenso durante todo o dia, especialmente na concentração, como não fiquei nem na primeira vez em que desfilei.

É um símbolo, tem uma aura diferente. E nem se trata de ser imperiano, mas de se dar conta do que representa.

É uma instituição, ao lado da minha Mangueira e da Portela. E pra mim, ao lado da Vila, meu bairro querido onde nasci e me criei, de Noel e de Martinho.

De quebra, vejam só, entrei na avenida comemorando o aniversário do meu irmão, que estava ao lado, da minha comadre querida e dela. Ela, imperiana devota de ficar com o coração disparado só de ouvir o primeiro acorde do cavaco, e que me levou para viver esse presente. Foi a certeza de que meu quintal é maior que o mundo.

Desfilamos no sábado, grupo de acesso em que o Império nunca deveria estar, e estou escrevendo antes de saber o resultado da apuração, antes de saber se, no ano em que comemora 70 anos, o menino de 47 vai voltar ao Grupo Especial. Porque não importa. Porque, como disse aí em cima, foi um presente vivido.

Não sei se será possível – algum dia – lhe proporcionar algo parecido com o que vivi nessa “festa” de 10 meses.

E neste fevereiro sem o dia 29 em que contamos nosso tempo, neste primeiro dia de março, aniversário da nossa cidade, “cantando eu declamo esse amor por você.”

Hora da escola (4)

Foto: Gustavo SirelliQuem tem o hábito de visitar o cafofo, já sabe que sou desses que bate palmas pra escola das filhas, que abraçam a proposta e defendem os caminhos adotados. Mas nem tudo são flores, claro. Por exemplo, já houve discussão sobre a doação de livros para determinada organização, ação social embolada e embalada por proselitismo político.

Outra discordância sempre aparece nessa época do ano, final do primeiro semestre, hora de acender a fogueira das festas juninas. Ou, na visão pretensamente progressista e politicamente correta da escola, uma asséptica festa no campo.

Aqui, abro parênteses que se mostrarão úteis mais à frente. Ontem à noite, na abertura do programa Saia Justa do GNT (não sei se era reprise ou episódio do dia), o professor Sérgio Cortela disse duas coisas óbvias: “o estado brasileiro é laico mas não é ateu” (basta ler nossa constituição pra descobrir isso) e “ter religiosidade não é a mesma coisa que ter religião”. É o ululante, sei disso, mas quando dito por um catedrático como Cortela, ganha peso e (talvez) seja mais levado a sério. Sigamos pois.

2014 é o nosso terceiro ano na escola, e no primeiro ainda dei-me ao trabalho de levantar algumas bolas com a professora da Helena de então, a Camila. Depois desisti, sinceramente deu preguiça. E talvez tenha errado nisso, deveria ter insistido. Ora bolas, por que festa do campo e não festa junina? Por que não vestir as crianças como os matutos tradicionalmente representados em qualquer festa junina?

 Sacro

Foto: Gustavo SirelliO que é sagrado para você? Pra mim, um monte de coisas. Em termos de religião, sou católico apostólico baiano. Mas não é isso que vem ao caso. As festas juninas, sem esse nome, são bem anteriores à era cristã. Têm relação direta com o solstício de verão, na Europa, e a relação das sociedades de então com a terra e seus deuses. Era nessa época do ano, ali entre o que seriam os dias 22 e 25 de junho do nosso calendário juliano, que eram feitas oferendas e pedidos em busca de uma boa colheita.

Se não pode derrota-los, junte-se a eles. Foi assim que a Igreja Católica, sem conseguir frear a tradição, criou as datas em homenagem aos santos. Isso foi pelo século X. Daí que além da referência óbvia ao mês de junho, o termo junino também seja apontado por estudiosos como uma corruptela de joanino, posto que 24 de junho é dia de São João.

Curiosamente, ao chegarem por aqui, os portugueses – católicos fervorosos – encontraram entre os índios, celebrações realizadas na mesma época (por aqui, o solstício de inverno) e pelas mesmas razões: agradecimento aos deuses pelo sucesso obtido e oferendas e pedidos por uma nova boa colheita. E é por isso que, nas festas juninas brasileiras, pela convivência de costumes entre nativos e europeus, as comidas típicas das nossas festas tenham tanto milho.

Foto: Gustavo SirelliPara cada detalhe, é encontra-se uma explicação, todas elas ligadas às origens das festas. É assim com os balões (usados para avisar a comunidade do início das festas), as fogueiras (tradição pagã, para iluminar os caminhos dos deuses, e católica, pela lenda de que uma fogueira seria o modo de comunicação entre Maria e Isabel), o casamento (referência clara a Santo Antônio) e a pescaria (brincadeira em homenagem a São Pedro).

Sinceramente, não sei como a escola trata desses assuntos com os alunos do ensino fundamental em diante (ainda estou na educação infantil a acredito que tudo isso ainda está fora do espectro de compreensão dos pequenos). Mas seria absurdo negar a relação sagrada dos povos com a terra, tanto na Europa medieval e anterior, quanto entre os índios brasileiros. Também seria absurdo negar a relação sagrada (nesse caso, de origem católica) dos fiéis celebrando seus santos. Porque tudo isso é sagrado e – antes de religião – é história da formação do nosso povo.

O matuto

Foto: Gustavo SirelliQuando era criança, lá estava eu de calça jeans puída com remendos coloridos, camisa xadrez, chapéu de palha e um dente “faltando”. As meninas, de vestido de chita quase sempre floridos, maria-chiquinha e outros detalhes. E foi aqui que me peguei com a escola e sua festa do campo. Há um discurso que isso é uma visão deturpada do homem do campo, que não deve ser disseminada.

Oi? Ou não sabem história ou estão com preguiça de contextualizar o mundo para as crianças ou são mais realistas que o rei. Mais ou menos como tentar mudar a letra de “atirei o pau no gato”. Basicamente, se esse for o caso, tristemente reconheço uma visão boçal.

Pra começo de conversa, no início não eram todos que iam fantasiados às festas. Apenas aqueles que dançariam a quadrilha e tinham lá seus personagens: padre, noivo, noiva, pais do noivo, pais da noiva, madrinhas, padrinhos, delegado e sacristão. Esse é o significado geral do negócio que, apesar das regionalidades, se mantém.

Não sei vocês, mas já vivi algumas (muitas) festas juninas na roça. E eles adoram as quadrilhas e as fantasias, a carnavalização de si próprios, que sempre foi celebração e crítica simultâneas. Uma vez que “isolados” dos recursos das grandes cidades, não conseguem comprar roupas novas para as festas (por isso os remendos e calças pescando siri, e as camisas xadrez feitas com o tecido barato disponível) nem tem acesso a alguns serviços básicos, como saúde (e por isso um ou outro dente pintado de preto, como se não existisse).

Foto: Gustavo SirelliA evolução desse cenário foi uma espécie de glamourização dos figurinos, como se Joãozinho Trinta assumisse a produção, também com coreografias a cada ano mais elaboradas, para os grandes concursos de quadrilha.

Tudo isso pode parecer uma grande bobagem, “são só festas juninas”. Não acho, especialmente nesses nossos tempos pós-modernos, em que as crescentes cidades do interior e a expansão do agronegócio aproximam cada vez mais as experiências de quem vive no campo e na cidade. Porque fechar os olhos a essas tradições, tentar negar que isso existe e tem um significado muito forte, é fechar os olhos para a formação do povo brasileiro. É um jeito progressita-intelectualóide, em que se tentar igualar tudo e todos para não ferir suscetibilidades, quando na verdade deveríamos estar preocupado em resguardar tradições, nos esforçando para explica-las e, assim, usar o passado para entender nosso presente e pensar o bendito futuro.

Clube dos 8

Benzema comemora seu gol (em impedimento) contra a Ucrânia / Foto: ReutersEu realmente entendo e até concordo que o tal ranking da Fifa tem que existir para algo prático. Mas há coisas e há coisas, será que me entendem?

Vejamos: existem oito seleções campeãs do mundo e a copa é dividida em oito grupos. As oito estão classificadas para o torneio. Então, como é que pode alguém levemente lúcido não colocar as oito campeãs como as oito cabeças de chave?

Pois é, teremos Suiça, Colômbia e Bélgica. Com todo o respeito que todos e qualquer um merecem, como disse lá em cima, há coisas e há coisas.

O tal ranking poderia ser usado da seguinte maneira: todos os campeões classificados serão cabeças de chave. Se um ou mais não estiver, a indicação das vagas restantes se dará pelo ranking. Simples assim.

E quando o país sede não for um dos campeões? Simples: o ranking indicará os cabeças de chave, primeiro entre os campeões; depois entre os demais classificados.

E pronto.

Desta forma seriam respeitados o ranking e a História, ora bolas.

Mas se é possível complicar, pra quê simplificar? Se respeitar a história não tem graça, por quê não inventar? Uma salva de palmas para Fifa.

P.S.: E não é que a França se classificou, de novo, com um gol roubado?

Verbetes e expressões (26)

História

(do grego antigo ἱστορία, transl.historía, que significa “pesquisa”, “conhecimento advindo da investigação”) é a ciência que estuda o Homem e sua ação no tempo e no espaço, concomitante à análise de processos e eventos ocorridos no passado.

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Não foi por acaso que fui à Wikipedia buscar a definição mais simples (e mais óbvia) de História. Vejam que gracinha o que aconteceu hoje.

Militares da reserva e policiais supostamente envolvidos com atos de tortura e outros abusos cometidos durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985) foram alvo de manifestações realizadas nesta segunda-feira em seis cidades do país. Integrantes do Levante Popular da Juventude – movimento de jovens que surgiu há seis anos no Rio Grande do Sul e hoje tem representantes em todo país – levaram faixas e fizeram apitaços em frente às casas ou endereços de trabalho dos agentes do Estado, com o intuito de constrangê-los em função da participação deles em atos do regime. As ações ocorreram em Belo Horizonte (MG), São Paulo (SP), Porto Alegre (RS), Fortaleza (CE) e Belém (PA), Aracaju (SE) e devem continuar nos próximos meses.

Clique aqui para ler, em O Globo, a matéria completa. Agora, olhando a foto acima, alguém aí tem dúvida de isso vai dar merda?

Isso aí só aconteceu por causa da criação de uma tal comissão da verdade que é, na verdade, uma comissão da revanche. Ou o tal trabalho não estaria sob responsabilidade de uma ministra que defende Cuba no que diz respeito aos direitos humanos. Uma tal Maria do Rosário.

Pois bem. Não será por acaso que o tal Levante Popular da Juventude nasceu e cresceu no Rio Grande do Sul, estado em que nossa presidente fez sua história política, estado de Tarso Genro – aquele que deu asilo político a Cesare Battisti.

E esse tipo de ação só é insuflada porque se confia na falta de formação média do brasileiro. Especialmente em história.

É claro que houve muita tortura no Brasil durante a ditadura militar, todos sabem. Eu já convivi com algumas vítimas, profissionalmente ou não. E muitas mortes também. As próprias organizações de esquerda contam 424 durante o período. O problema é que ninguém fala das 119 vítimas (oficiais) dos grupos paramilitares, a tal luta armada (aqui você encontra a lista completa, com a descrição de como morreram, dividida em quatro partes)

Agora, alguém aí sabe dizer se a tal comissão vai tratar desses mortos também? Não, claro que não. Porque boa parte dos integrantes daqueles grupos estão, hoje, no ‘pudê’. Simples assim. Incluindo nossa presidenta, como sabemos. Além, é claro, da visão distorcida de que pela causa vale tudo.

A questão mais grave, no entanto, é a força que essa turma vai fazer para reescrever a história do país, esquecendo que a lei da anistia “ampla, geral e irrestrita” – válida, portanto, para todos de todos os lados – foi parte fundamental no processo de abertura que nos permitiu chegar ao que temos hoje como democracia.

E por causa da lei da anistia (Lei n.º 6.833/79) é que não seria correto (nem justo) fazer pichações em resposta àquela, em frente à casa ou trabalho de cada um dos envolvidos nas tais 119 mortes, com a frase “aqui mora um terrorista”.

Pois que, há algumas semanas, conversava com amigos de trabalho sobre nossa situação política, de maneira geral. E foi quase unânime (e discordâncias sempre são bem vindas) que vivemos hoje uma ditadura muito mais perigosa do que a que vigorou entre 1964 e 85. Uma ditatura de ideias, travestida de democracia, que pretende – sem fazer a menor força para esconder isso – engolir ou atropelar tudo e todos que discordem deles em qualquer grau.

Começo, sinceramente, a torcer para que os maias estejam certos.

Bendita livre expressão

O final de semana que passou nos apresentou alguns acontecimentos que me deixaram atordoados. O mais grave, sem dúvida, o congresso do partido que desde 2003 está no poder. Vejam, não digo isso, não uso a palavra poder por acaso. Afinal, o PT não exercita apenas a presidência. Eles se apoderaram do país. Mas tudo pode piorar sempre, não duvidem.

A resolução aprovada e divulgada com pompa e circunstância comprova isso facilmente. E, baseado nela, é fácil perceber que vivemos mesmo num país feliz, tropical e abençoado por Deus.

O tal texto é capaz de esbravejar mentiras deslavadas sobre a história do país, muitas vezes tão absurdas que bastam livros didáticos do ensino fundamental para desmenti-los, sem qualquer necessidade de consultas a tratados e pesquisas muito profundas produzidas pelos maiores historiadores do país.

Basicamente, uma leitura rápida do tal documento, nos faria acreditar que o Brasil nasceu em 2003.

Entre os muito absurdos contidos no documento oficial publicado pelo partido que ocupa a presidência da república – não, as mentiras históricas não são as únicas -, ganhou destaque a nova carga sobre um possível controle social da imprensa. Censura!

No tal texto, há até referência a termo há muito envelhecido, o ‘jornalismo marrom’. O problema é que, para o PT, marrom é o jornalismo que aponta, que denuncia o que os caras fazem de errado, suas bravatas e negociatas e tudo o que deriva disso.

Além disso, o partido que ocupa a presidência da república, ao querer instituir controles sobre a imprensa, é tão democrático que esquece que não conseguiu provar estar errada nenhuma denúncia feita até hoje (pelo contrário, desde Lula e já em Dilma, ministros e muitos mais foram demitidos e cassados). É tão democrático que esquece que já existe o código civil, suficiente para lidar com qualquer um – órgão de imprensa ou não – que caluniar, injuriar ou difamar, como consta do tal documento.

Então, não vivemos mesmo num país feliz, tropical e abençoado por Deus? Ou é só uma peça irônica perceber que é a livre expressão que o PT quer combater que permite que eles publiquem documentos como esse?

Fi-lo porque qui-lo!

Hoje faz 50 anos que Jânio Quadros renunciou à presidência. O ato que provocou a enorme tensão e quase não-posse de Jango e que, quase três anos depois, resultou no golpe militar.

Levando-se em conta que a história acontece em cadeia – mais ou menos linear, dependendo da circunstância –, podemos dizer que a esquerda vista e/ou vendida como bonzinha que temos por aqui, que quer um país melhor (desde que seja do jeito dela), que nos deu Lula e Dilma – além de Dirceus, Genoínos e afins – é culpa do tresloucado e falecido ex-presidente. Agradeçamos, pois.

Para celebrar essa espécie de conjunto da obra, copio abaixo o texto de Arnaldo Jabor publicado no Estadão, na última terça-feira.

A corrupção no Brasil é tratada como um desvio da norma, um pecado contra a lei de Deus. Não é. A corrupção no Brasil é hoje um importante instrumento político, quase um partido. Nos últimos anos adquiriu novas feições, virando um “quarto poder”. Antigamente, a corrupção era uma exceção; hoje é uma regra. E não se trata mais de um “que horror” ou “que falta de vergonha” – ficou claro que o País está inibido para se modernizar, porque a corrupção desmedida cria “regras de gestão”. O atraso no Brasil é um desejo colonial que persiste e dá lucro.

Só agora estamos vendo o tamanho dessa mutação, quando o Executivo tenta a “faxina” e depara com a resistência indignada do Congresso. Deputados resmungam pelos cantos: “Aonde tudo isso vai parar?”

Um bloco de 201 deputados comunicou que “enquanto não se resolverem os problemas de cargos e emendas, não se vota mais nada…” Tradução: “enquanto não deixarem a gente roubar em paz, como nos bons tempos do Lula, não se vota nada.” Congressistas reclamam que Dilma “não respeita as regras do jogo”. Ladrões de galinha reclamam contra algemas, contra as belas fotos de presos de peito nu (que adorei…), detalhes ridículos comparados aos crimes de bilhões no turismo, agricultura e transportes e outros que virão.

Dizem: “Se ela continuar assim, não chega ao fim do mandato…” O próprio Lula telefonou para a presidente: “Dilma… pega leve com o PMDB…”

Ou seja, há um país paralelo de políticos, ONGs fajutas, empresários malandros com leis próprias – o legado de Lula, que transformou uma prática criminosa dissimulada em descarada “normalidade”. Essa foi a grande realização de seu governo e se divide em duas fases.

Quando Lula chegou ao poder em 2002, havia um “Comitê Central” que o orientava (ou desorientava). Esse grupo de soviéticos desempregados viu, na sua vitória, a chance de mudar o Estado, usando a democracia para torná-la “popular”, uma tosca versão remendada de “socialismo”. Para isso, era necessário, como eles dizem, “desapropriar” dinheiro de um sistema “burguês” para fins “bons”. Essa racionalização adoçava a água na boca dos ladrões na hora do ato, pois o véu ideológico de um remoto “Bem futuro” os absolvia a priori. Nessa fase, Lula foi um coadjuvante – sabia de tudo e nada fazia, para deixar os “cumpanheiro” cumprir sua tarefa. Roberto Jefferson, com sua legítima carteirinha, destruiu a quadrilha que angariava grana para eleger o Dirceu presidente em 2010.

Com sorte, Lula livrou-se da tutela de soviéticos e pôde, no segundo mandato, realizar seus sonhos de grandeza, que acalentava desde que descobriu que ser líder carismático dos metalúrgicos era bem melhor do que trabalhar.

Aí surgiu o novo Lula: uma miniatura, um bibelô perfeito para triunfar na mídia aqui e no Exterior. Ele é portátil, com um nome tão legível e íntimo como “Pelé”. Lu-la, como “Lo-li-ta”, como Nabokov enrolava a língua para descrevê-la… Lula conta com a absolvição a priori por ser um operário, um “excluído que se incluiu”. Lula é um mascote perfeito: baixinho, barbinha “revolucionária”, covinhas lindas quando ri, voz grave para impressionar em seriedade, talento para forjar indignação como se fosse vítima de alguma injustiça ou como o próprio povo se defendendo.

Esquemático e simplista, mas legível para o povão sem cultura e para os estrangeiros desinformados, Lula resume em meia dúzia de frases a situação geral do País, que teve a sorte de ser um dos emergentes cobiçados pela especulação internacional. Com a estabilidade herdada do governo anterior e com dinheiro entrando, ele pôde surfar em seus truísmos sem profundidade, como se a verdade morasse na ignorância. Lula não governou para o PT nem para o País; governou para sua imagem narcisista, governou em “fremente lua de mel consigo mesmo”, num teatro em que éramos a plateia.

Seu repertório de frases feitas é composto dos detritos de chavões dos seus ex-soviéticos sindicalistas: fome x indigestão, elite e povo, imperialismo americano e Terceiro Mundo que incluía até o Kadafi e outros assassinos.

Claro, sempre houve corrupção (com FHC, com todos), mas era uma prática lateral, ainda dissimulada. A grande “inovação” (essa palavra da moda) de Lula foi apropriar-se (com obsceno oportunismo) de 400 anos de corrupção endêmica e transformá-la em alavanca para governar, mantendo sua fama de “tolerante e democrático”.

No seu ideário, feito das migalhas que caíram da mesa leninista, “corrupção” é coisa “menor”, é problema de pequeno-burguês udenista. Pensou: “No Brasil, sempre foi assim; logo, o importante é me deixarem curtir o mandato, hoje que eu sento ao lado de rainhas, com o aval de uma “santidade” de esquerda que peguei dos comunas que me guiaram.”

Ele se confundia com o Estado. Se ele ia bem, o Brasil também.

Essa foi a “palavra de ordem” para o ataque geral a todos os aparelhos do Estado pelos ladrões. Sua irresponsabilidade narcisista deixou Dilma nesta sinuca histórica: se não fizer nada contra as denúncias insofismáveis, perde poder e prestígio; se fizer, perde também. Quem ganha com isso? Só ele e a coligação dos escrotos interpartidários. Se nossa abobalhada oposição conseguir uma CPI contra o governo Dilma, isso só beneficia o PMDB e aliados da caverna de Ali Babá. Ainda bem que alguns senadores decentes se unem para dar apoio à faxina das donas de casa do Executivo. A opinião pública também dá sinais de reação. Vamos ver. Pelas mãos de Lula, instituíram a chantagem como método político.

Lula inventou a “ingovernabilidade” a que assistimos. Os assaltantes estão com saudade e querem que ele volte para normalizar tudo, como um “Luis Inácio Bonaparte da Silva”, como um “caudilho da vaselina”. Tudo o beneficia para 2014. Temíamos um “peronismo” sindicalista no País, mas isso não existe. Só existe o PMDB.

Insuficiência adjetiva

Menos de cinco minutos. Wellington viu a bola passar a sua frente sem qualquer reação – assim como quem para na frente da TV para ver a oitava reprise de uma comédia. Um a zero pros caras. É claro que fiquei puto, mas o jogo nem tinha começado ainda e dava tempo de virar. Bora pra frente.

Mas aí o bagulho ficou estranho. Eu via o Flamengo jogando muito melhor que o Santos, tocava melhor, chegava mais, mas com menos de meia hora de bola já estava três a zero pros caras. Uma pergunta não saía da minha cabeça: que merda é essa? Sabendo que toda invencibilidade um dia chega ao fim, aquele pessimismo característico do meu eu mais profundo aflorou. Não fazia sentido, mas já esperava a goleada histórica.

Mas aí, aquela história que o dentuço falou quando chegou e que às vezes, nos raríssimos momentos de adversidade que enfrentamos, esquecemos: Flamengo é Flamengo.

Agora, tentem imaginar o cenário. Se conseguirem, aqueles que me conhecem vão entender o quanto eu sofri ontem à noite. Às dez e meia, Helena dormia há menos de 15 minutos, enquanto Adriça e Joana esperavam ansiosas e alertas por qualquer chance para começarem a latir desbragadamente. Ou seja, qualquer ruído ou reação um pouquinho acima de um suspiro provocaria uma reação em cadeia que poderia variar entre o acordar de minha filha que poderia me impedir de assistir a peleja até a expulsão do prédio.

Como é que se assiste um jogo como aquele sem soltar nenhum grito, nenhum ‘ai’, nenhum ‘uhhh’? E aí, a mãe da Helena apegada a um livro, repara na TV e solta um “três a zero, já?” E demos sorte por não poder berrar, porque os impropérios vieram à garganta e, se escapam, o divórcio litigioso seria o mínimo.

Mas não durou muito, porque veio o três a um acompanhado de um olhar sanhudo e de um sentar mais ereto. E veio o três a dois. E sem a possibilidade de soltar os gritos de praxe que ajudam a aliviar – afinal, só 31 minutos jogados –, comecei a delirar enquanto fazia minhas primeiras tentativas de arrancar os cabelos.

E continuávamos jogando muito melhor, apesar dos sustos de praxe provocados por nossa defesa inexpugnável (hahahahaha!). E entre os arroubos e desvarios provocados pela falta dos gritos e xingamentos, ameacei a moça ao meu lado: “saio de baiana, pela contramão na Conde de Bonfim, se o Flamengo não ganhar esse jogo”. E foi só eu calar a boca e Williams, o Messi que marca, empurra Neymar dentro da área.

Bola na marca da cal. Não arrisquei olhar pra ela, mas tenho certeza que enquanto segurava a gargalhada, já fazia as contas de quanto gastaria para comprar a fatiota na Casa Turuna.

Mas Elano fez aquela palhaçada, Felipe fez embaixadinha e no ataque seguinte a partida estava empatada. Naquela altura, enquanto eu sofria para gritar em silencia, batia no peito como um King Kong desengonçado e sem cenário. E já não havia a menor possibilidade de perdermos o jogo.

E o segundo tempo, apesar do susto no início, foi só pra constar. Porque todas as máximas relacionadas aos onze da Gávea valeram ontem: “Flamengo é Flamengo”, “Deixou chegar, f*@#$%” etc. A partida foi moralmente decidida ao empatá-la antes do intervalo.

É certo que o embate de ontem entrou pra história. E basta passar em frente às bancas e visitar os principais blogs e portais para ler as manchetes, todos os adjetivos estão lá. Eu já não os tenho. Só sei que agora faltam apenas 26 jogos para o hepta.

A intrusa (parte 1)

É certo que, com a comoção pela morte de Amy Whinehouse, você ouviu ou viu ou leu alguma referência sobre o Clube dos 27. Se você chegou de Marte… É um grupo de estrelas do rock que morreram, coincidentemente, aos 27 anos. E estão tentando incluir a inglesa.

Antes que apareça alguma tiete enlouquecida por aqui (duvido que aconteça), aviso logo que gosto da moça e das canções da moça. Boas letras, bela voz. Mas me incomoda muito essa necessidade de mitificação expressa do nosso mundo extremamente midiático de hoje.

Apesar da coincidência da idade, eu simplesmente não a incluiria no clube por algumas razões simples: o que mais, além da idade, seria motivo pra isso? Vocês realmente acreditam que apenas cinco ou seis artistas pop morreram aos 27 anos? Quem faz parte da turma e qual o legado de cada um?

Robert Johnson

É o primeiro e o mais discutível membro do Clube. Tudo porque sua data de nascimento (1911) não tem comprovação (há documentos com datas que variam de (1909 a 1912). E a maneira como morreu, em 1938, também não é lá muito certa. Reza a lenda que bebeu uísque envenenado com estricnina servida pelo dono ciumento do bar em que tocava.

Outra lenda sobre Johnson diz ele fez um pacto com o diabo para garantir que tocasse bem e fosse reconhecido. Algumas de suas letras ajudam a propagar o pacto: Crossroads Blues, Me And The Devil Blues e Hellhound On My Trail.

Muita gente o aponta como o músico mais importante do século XX e se hoje você ouve e gosta de rock, a culpa é dele.

O cara gravou apenas 29 músicas na vida, algumas duas vezes. Pouco, mas mais do que o suficiente para construir – com seus riffs muito mais elaborados do que a média do blues nascido no delta do Mississipi e utilizando as notas mais graves do violão para modelar ritmos regulares – as bases harmônicas que deram origem ao, hoje, bom e velho rock ‘n roll.

Brian Jones

O cofundador dos Rolling Stones é o próximo da lista, morreu afogado em sua piscina menos de um mês depois de ser excluído da banda devido ao exagero no consumo de drogas e bebidas que provocavam suas ausências e mau desempenho em gravações e shows.

Multiinstrumentista e, no início, único da banda capaz de ler partituras, não era compositor muito profícuo (apenas sete canções na banda), mas capaz de fazer arranjos brilhantes. O estilo adotado pelo grupo é cai na sua conta. Além disso, gravou com os Beatles e compôs a trilha do filme A Degree Of Murder. Com a banda, gravou 12 álbuns.

Jimi Hendrix

Em tese, não deveria ser necessário apresentar o sujeito, mas vamos lá. O cara morreu em 1970, teoricamente (nunca foi confirmado) afogado em seu próprio vômito. O cenário teria sido o resultado de uma overdose de soporíferos misturados com vinho.

Como estamos falando de legado… O cara gravou apenas três álbuns e uma pequena série de compactos. Mas deixou mais de 300 gravações inéditas. Além disso, basta procurar pela web que é fácil encontrar centenas de filmes com suas performances. O cara simplesmente mudou o conceito ‘tocar guitarra’, transformou a Fender Stratocaster (braços estreitos e alavanca de trêmolo) e o amplificador Marshall (único, na época, a agüentar o peso de sua música) em lendas do rock e foi o primeiro a controlar a microfonia a ponto de transformá-la em parte das músicas.

Uma de suas passagens marcantes, além do hino estadunidense em Woodstock, foi abrir um show em Nova Iorque com Sgt. Peppers, no dia seguinte de seu lançamento em Londres pelos quatro de Liverpool. É fácil reparar que apenas 24 horas depois, a canção já tinha outra cara e um solo absurdo.

Janis Joplin

O que falar de uma cantora que solta a seguinte pérola?

Posso não durar tanto quanto as outras cantoras, mas sei que posso destruir-me agora se me preocupar demais com o amanhã.

O final, anunciado como se vê, foi alguns meses depois de Hendrix, com uma overdose de heroína. Sua voz pouco marcante, como sabemos, lhe rendeu algumas alcunhas como ‘a rainha do rock n’ roll’ e ‘a maior cantora de rock dos anos 60’, fase áurea do estilo.

Começou a carreira como crooner da Big Brother & the Holding Company. Depois, montou suas próprias bandas e seguiu carreira solo. E transformou algumas canções em clássicos do rock, como Cry Baby, Mercedes Benz e Piece Of My Heart. Sua última gravação foi Happy Trails, uma brincadeira como presente de aniversário para John Lennon.

Apesar do princípio transgressor, o rock sempre foi um tanto conservador (se é que é possível). E foi Janis quem quebrou a barreira de mostrar que é possível ter uma mulher como grande estrela.

Jim Morrison

Morreu na banheira, em seu apartamento de Paris, em julho de 1971, graças a uma overdose nunca comprovada.

Esse é provavelmente o menos influente personagem do Clube. Vocalista e fundador do The Doors, ainda foi poeta e cineasta. Com a banda, gravou seis álbuns e produziu alguns clássicos como Light my fire, Roadhouse blues e Hello, I Love you.

Kurt Cobain

Se tentar observar toda a situação do ponto de vista de que o rock exige uma postura transgressora, fica fácil entender porque o sujeito que deu um tiro na cabeça em 1994 é considerado “a última estrela verdadeira do rock”.

O Nirvana existiu entre 1987 e 1994, período em que lançou três álbuns: Bleach (1989), Never Mind (1991) e In Utero (1993). Além da própria banda e da voz de Kurt, nenhum deles têm semelhanças estruturais elementares, tanto no estilo de composição quando na execução das canções. Mas a herança real do Nirvana, além dos discursos e atitudes anti-sexista do líder, foi ter dado ao rock alternativo, começando pelo movimento grunge de Seatle, o acesso ao mainstream.

O motor dessa mudança de cenário foi o álbum Never Mind, de faixas como Smells Like Teen Sirit e Come As You Are. Se é verdade que o álbum Ten, do Pearl Jam, do mesmo ano, também contribuiu na consolidação do estilo, é inegável que foi a partir do Nirvana, e de Kurt Cobain, que o rock alternativo passou a ser parte muito relevante da indústria.

Amy Whinehouse

E voltamos a ela. Dois álbuns. Frank (2003) não tem uma linha criativa, é apenas um apanhado de boas canções. E o grande sucesso Back to Black (2006). Se sua excelente voz e musicalidade devem favor a alguém, o cara é Mark Ronson. Foi ele quem desenhou o disco, definiu sua estrutura e apresentou a cantora à banda The Dap-Kings, conhecidos por fazer hoje o som dos anos 60 e 70.

E o legado, sua herança para a história da música? Um punhado de boas canções confessionais? Sinceramente, me parece pouco.