O terceiro elemento

Hyldon / DivulgaçãoTim Maia e Cassiano. Falta um. Um sujeito que nasceu na Bahia, ainda criança veio parar em Niterói e na pré-adolescência trocou o relógio novinho que acabara de ganhar por um violão. Não por acaso, o sujeito que ao lado daqueles dois é um dos precursores do soul brasileiro nunca mais largou o instrumento. Nem usou relógios.

Hyldon de Souza Silva atracou na terra de Araribóia aos sete anos e aos 14 já tinha sua primeira banda, Os Abelhas. Primo de Pedrinho da Luz, guitarrista do The Fevers, o interesse pelo iê-iê-iê e jovem guarda foi mais que natural. Enquanto o grupo de moleques zumbiam entre Icaraí e outras cidades próximas, além das rádios locais, a família de Hyldon decidiu voltar para a Bahia. E esse foi o momento chave de sua carreira.

Hyldon convenceu os pais a deixá-lo por aqui, morando com seu primo. Aos poucos, foi apresentado a maestros, músicos de estúdio, arranjadores e produtores. De quebra, Pedrinho ainda lhe proporcionaria a oportunidade da primeira gravação. Quando os Fevers preparavam seu primeiro disco, o vocalista e guitarrista Almir Bezerra teve um problema e Hyldon foi seu substituto por um dia. Pouco tempo depois, o garoto ainda com 17 anos teve sua primeira canção gravada pelo argentino Roberto Livi. Eu me enganei vendeu mais de 100 mil cópias.

Final dos anos 60, início dos 70. O moleque começou a ser procurado e teve algumas de suas canções gravadas por estrelas da época como Jerry Adriani e Wanderley Cardoso. E apareceu como guitarrista em discos de Toni Tornado e Wilson Simonal. De quebra, passou a integrar, ao lado de Cassiano, Os Diagonais. Além de seus próprios shows e discos, foi a banda de apoio dos primeiros discos de Tim Maia.

Seu reconhecimento pelo público começou a ser construído em 1974, com o lançamento do compacto Na rua, na chuva, na fazenda. Vendeu muito e, em 75, novo compacto: As dores do mundo. Outro sucesso e, enfim, a oportunidade de lançar seu primeiro álbum.

Na rua, na chuva, na fazenda / ReproduçãoAlém da faixa título (regravada, entre outros, pelo Kid Abelha), Na rua, na chuva, na fazenda é imediatamente marcado como um clássico do soul e da música negra brasileira. Entre as 12 canções do álbum, todas escritas por Hyldon, estão Na sombra de uma árvore, Acontecimento (regravada por Marisa Monte) e As dores do mundo (regravada por Jota Quest).

E é a partir deste disco que, apesar de muitos outros grandes artistas, foi confirmada a tríade símbolo da soul music tupiniquim: Tim, Cassiano e Hyldon. Certamente, não o são por acaso. A lista ainda poderia ter Gérson King Combo, Carlos Dafé e toda a turma da Black Rio, além de uma menina que ainda iria estourar, uma tal de Sandra. Mas sem os três…

Seu segundo álbum, Deus, a Natureza e a Música saiu logo em 1976. Mas entre experimentações e brigas com gravadoras, não teve sucesso. Aliás, nunca mais o teria, apesar de ser referência e até enfrentar estúdios como instrumentista convidado nas últimas décadas ou produtor. Diferente de Cassiano, que se enclausurou em um sítio, o moço produziu.

Seu último lançamento aconteceu em outubro de 2013. Romances urbanos, além de mostrar que o sujeito continua em forma como músico e compositor, mostra que anda mais atualizado do que pode supor a vã filosofia de quem só ouve a música enlatada das rádios populares. Em boa companhia nas composições e execuções – Zeca Baleiro, Bebeto, Serjão Loroza, Arnaldo Antunes, Céu, Emicida, Renegado e Jorge Aílton –, passeou pelos mais diferentes estilos da música negra dos últimos 40 anos. Como no primeiro álbum, 12 faixas que você pode baixar aqui.

Agora, pra voltar no tempo e ouvir sua obra prima (com duas faixas bônus remix), é só clicar aqui. Não dá pra se arrepender.

Sambalanço

Bebeto Essencial / ReproduçãoNão faz muito tempo, algumas semanas, quando passei em frente ao Clube Municipal, na Tijuca, e vi a faixa anunciando o show do próximo fim de semana: Bebeto. “Caramba, não ouço falar desse sujeito há anos” foi a primeira reação. Quando comentei com a turma mais, digamos, antiga do trabalho, além de alguns olhos quase esbugalhados de surpresa, um comentário ficou guardado: “digno”.

Samba-rock, suíngue, sambalanço. Chamem do que quiser, não faz diferença. O que importa é que Paulo Roberto Tadeu de Sousa era o cara. O sujeito que nasceu em São Paulo e começou a perambular pelos bares da terra da garoa na virada dos anos 60 para os 70 ajudou a explodir e sedimentar um estilo que foi (e ainda é) marcante na música brasileira.

Seu primeiro disco, lançado em 1975, já disse a que veio. Apesar de nascido e radicado em São Paulo, Bebeto é um álbum absolutamente carioca em ritmo e letras. Pontuadas por arranjos de metais potentes, percussão bem marcada e o violão de nylon característico de sambas e serestas, algumas de suas 12 faixas foram sucesso por muito tempo. É o caso de Só quero sambar (com Branca di Neve) e Segura a nêga (com Luis Wagner).

Uma curiosidade do primeiro trabalho é a faixa Esse crioulo por você se fez poeta, de um mineiro até então desconhecido: Wando.

O segundo disco de Bebeto, Esperanças mil, foi lançado em 1977. O estilo, claro, é o mesmo, apesar de muito menos ‘furioso’, e a grande diferença foi o destaque dado aos vocais femininos de resposta. Muita gente diz que o álbum foi a semente do que se popularizou como pagode paulista nos anos 90. Como gosto do sujeito, prefiro colocar essa análise na conta da maldade… Das 12 faixas saiu o sucesso Nega Olívia (Bedeu e Alexandre) e aquela que – apesar de fugir ao estilo, ou talvez por isso – considero a mais bela canção de Bebeto: Na galha da mutamba, parceria com Lobo.

Logo no início de 78, Bebeto se mudou para o Rio e explodiu no circuito de bailes dos subúrbios e zona norte do Rio. Depois de mais dois discos (Cheio de razão, 1978, e Malícia, 1980), 1981 foi um ano chave para ele, com a gravação de dois grandes discos: o primeiro, Bebeto, foi uma coleção de sucessos instantâneos capitaneados pela inesquecível Menina Carolina; o segundo, Batalha Maravilhosa, foi marcante por ter, pela primeira vez, todas as faixas compostas por Bebeto. O destaque, sucesso até hoje, foi Praia e sol, parceria com Adilson Silva.

Depois, apesar de lançar um disco por ano até 1986, caiu na mesmice, se tornou repetitivo. Pra piorar, ainda foi mal comparado com Jorge Ben. De lá pra cá, produção irregular, discos ao vivo e coletâneas de sucessos. E, pelo visto, refazendo o circuito de clubes e bailes dos subúrbios e zona norte do Rio. Na luta. Digno.

Salve Jorges

No dia do Santo, 70 anos do Ben (nunca me acostumei com esse papo de Ben Jor). E não é por acaso que ele se chama Jorge, pois.

Salve Jorge, que balançou as estruturas da música brasileira. Salve Jorge, nosso santo guerreiro. Ogum iê meu pai!

Morena do mar

Odociaba, Iemanjá. Odoiá!

Como se fora brincadeira de roda

Em janeiro de 1982 eu tinha pouco mais de oito anos. Como as crianças daquela época, é provável que ainda brincasse de roda. Também soltava pipa, jogava bola e bolinha de gude. E há 30 anos, estávamos na estrada – toda a família – voltando das férias na roça, casa dos meus avós maternos na zona da mata de Minas.

Lá, como no Rio e em todo o Brasil, ouvia-se com gosto pelos rádios, TVs e nas vitrolas, os discos de Elis. Cada um melhor que o outro.

Àquela altura, já havíamos acabado de descer a serra de Teresópolis, o rádio do fusca já pegava alguma coisa, entre chiados e suas ondas curtas. E a notícia chegou. Ficou aquele ar de espanto em todo mundo, enquanto meu pai dirigia e pedia silêncio, minha mãe tentava sintonizar uma rádio mais firme pra confirmar o que veio entre grunhidos.

Ao mesmo tempo, começamos a ver vários e vários carros encostando no acostamento, as pessoas paradas com caras de bobos, alguns chorando e todos querendo acreditar que aquilo era um trote. Há 30 anos, Elis morreu.

É claro que, pela idade, só fui conhecer e entender quem e o que era Elis muito tempo depois. E assim, não foi tão difícil perceber a razão da comoção que tomou conta do país quando a moça foi embora. Mas, desde sempre, sou apaixonado por essa canção, composta por Gonzaguinha e gravada em 1980, no álbum duplo Saudade do Brasil.

Abaixo, trechos de uma entrevista de Elis à TV Gaúcha, quando foi a Porto Alegre com o show Trem Azul, no segundo semestre de 1981. Era tão boa falando quanto cantando.

P.S.: será que é por acaso que, até hoje, Elis é o parâmetro de qualidade a que todas as cantoras brasileiras acabam comparadas, cedo ou tarde e indepente de estilo?

A banda mais bonita da cidade

Tá rolando por aí, talvez vocês já tenham visto. O vídeo explodiu nos últimos dias. A turma é de Curitiba, parece que estão puxando um grupo de bandas e artistas que são chamados de “Novos Curitibanos”, comparados aos “Novos Paulistas”. Não sei o que isso significa, não me dou muito ao trabalho de conhecer ou colocar rótulos nas coisas que ouço. Sou do tempo em que música boa era só música boa, independente do estilo. Assim como a música ruim.

Além disso, essa história de ‘novos de algum lugar’ já está démodé há algumas décadas, desde que os Novos Baianos deixaram de existir.

Gostei da música, gostei da letra (e de sua repetição construindo a tal oração), gostei demais do clipe. Um plano seqüência excelente, passagens de ambientes muito interessantes, como é criativa e eficiente também a captação do som em cada passagem.

Me dei ao trabalho de assistir outros dois vídeos dos bonitos: Boa pessoa e Canção pra não voltar. Não gostei da primeira música, a segunda é interessante. Mas os clipes, ambos, são muito fracos. Oração, este que está aí embaixo, vale muito a pena ver.


Prova dos nove

Acabei de me dar conta que usei duas vezes, no post anterior, a expressão ‘noves fora’. Feio isso de ficar repetindo palavras no texto. Mas tentando voltar ao que interessa, vocês aí lembram da prova dos nove? Pois é, fico pensando em como essa molecada anda aprendendo matemática por aí, com o uso da calculadora quase totalmente liberado. Tenho um amigo com filho em ano de vestibular que está pagando todos os seus pecados, porque usou a tal maquininha a vida inteira e, de repente, precisa aprender e/ou se acostumar a fazer as contas na mão.

Voltando aos ‘nove fora’ (se você não lembra como é, vá pesquisar; eu fiz isso), achei a pérola aí abaixo. E como o vídeo é muito antigo e o som bem ruim, vai também a letra de Fagner e Belchior.

Noves fora

Meu Deus, o que é que faço
Tua beleza ta me carregando pelo braço

Da laranja eu quero um gomo
Do limão quero um pedaço
E da menina mais bonita
Eu quero o beijo e o abraço
É tudo ou nada
Noves fora, nada

Já rezei até pro meu santo
Na terra do Canindé
Que me dê um homem grande
Que pequeno não dá pé
É tudo ou nada
Noves fora, nada

A tua falta somada
A minha vida tão diminuída
Com esta dor multiplicada
Pelo fator despedida

Deixou minh’alma muito dividida
Em frações tão desiguais
E desde a hora em que você foi embora
Eu sou um zero e nada mais

Um, dois, três, ene, infinito
do meu lado esquerdo você quer é demais
Ah, meu Deus, o que que faço

Dois de fevereiro

Nem por razão ou coisa outra qualquer

Ouvi isso hoje e mandei para uma moça especial. A letra está aqui.

Heranças

Então é Natal. Ok, admito que ando meio empombado com a data e ainda não descobri a razão exata. Mas vá lá que, já madrugada e eu sem sono, me peguei pensando nessa história de família reunida e coisas do gênero e acabei lembrando de algumas coisas da minha infância.

Não canso de agradecer aos meus pais pelo ecletismo (existe isso?) musical com o qual fui criado. Em casa, desde sempre, ouvia-se de tudo. Fosse para ninar os filhos, fosse para ler o jornal de domingo. Claro, falo de uma época em que o funk era música e que a disco music era tocada com instrumentos e não computadores.

E lembrei de Luiz Gonzaga.

Havia em casa um disco do sujeito, um clássico: O homem da terra. Entre as gravações históricas do tal LP, a faixa de abertura era A triste partida num dueto de Gonzagão e Gonzaguinha. Também estavam lá a Estrada de Canindé, O adeus da asa branca, os Tropeiros da Borborema e O homem da terra que nomeava o disco.

O grande barato do filho do Januário é que ele foi capaz de retratar a vida do nortista de seu tempo em todos os aspectos. A denúncia pelas condições de vida, o amor, a fé, a alegria e o humor. E o tal LP era tão bom que contemplava tudo isso. Também estava lá, no lado B, o Siri jogando bola que me fazia rir pequeno.

E aí, com a lembrança, resolvi dar um pulo no Vocêtubo para ver o que encontrava. E dei de cara com outro presença marcante de minha infância. Era quase religioso assistir o Som Brasil apresentado pelo Rolando Boldrin (que depois foi substituído por Lima Duarte) nas manhãs de domingo. Hoje, apresenta um programa na TV Cultura que, muito justamente, se chama Sr. Brasil.

Luiz Gonzaga e Rolando Boldrin são dois sujeitos fodásticos, como diz um amigo, a quem o Brasil não dá o devido reconhecimento. E digo isso sem qualquer constrangimento ou medo de alguém me apontar o dedo afirmando que é apenas uma impressão baseada em memórias remotas.

E entre as muitas coisas que encontrei do Gonzagão, esse vídeo de quase dez minutos em que o Sr. Brasil presta lindíssima homenagem ao Rei do Baião. E se você não conhece um ou outro, assista e tire a prova.