Entre clichês e paixões

Ontem fez 20 anos que Senna conquistou seu último título mundial, o terceiro. Na segunda, outra data importante para quem gosta de corridas, principalmente no Brasil: trinta anos do primeiro título do Piquet.

Mas a semana que começou no domingo teve duas notícias relevantes, para dizer o mínimo. A primeira, dadas as circunstâncias, menor. A nova vitória de Vettel no GP da Coréia do Sul e a conquista mais que esperada do bicampeonato de construtores pela Red Bull.

A outra nova, tão importante quanto trágica, a morte de Dan Wheldon no oval de Las Vegas, pela Fórmula Indy. Tão estúpida e desnecessária quanto qualquer morte que não seja por causas naturais, quanto qualquer morte por bala perdida ou explosão de botijões de gás.

Mas, assim como aconteceu com Senna e tantos outros pilotos, nos choca. Afinal, além de jovens e de sucesso, morrem ao vivo. Praticamente esfregada na nossa cara num momento em que estamos ali, diante da TV, assistindo a algo que pretendia nos divertir, nos fazer sorrir.

Já não assisto à Indy como antigamente, na época da CART, não sei dizer quanto bom ou ruim era Wheldon. Mas li e ouvi muitas referências à sua qualidade, ninguém é campeão de nada por acaso, ninguém vence duas vezes em Indianápolis – entre outras – à toa. Mas o que mais impressionou foi a reação de muitos e muitos pilotos, entre outras tantas pessoas mais ou menos envolvidas com o momento, desabando em lágrimas por ele. Não são atitudes, apenas, de respeito por um bom colega de profissão. Reações pela perda de um amigo.

Algo me deixou muito impressionado nas imagens que vi de Wheldon: em todas as fotos que encontrei, mesmo nas nitidamente não preparadas, ele estava sorrindo. Não deve ser por acaso e talvez ajude a explicar as reações gerais.

Mas, afinal, por que continuamos assistindo e dando valor a algo que é definido pelo clichê ‘esporte de alto risco’? Porque se é verdade que Senna foi o último a morrer na F1, muitos pilotos continuam morrendo (ou quase) todos os anos andando sobre duas ou quatro rodas por aí.

Um pouco sobre isso, talvez tentando uma explicação, André Forastieri escreveu artigo que vale ser lido inteiro. Segue um trecho:

Quem corre, corre risco de morte. É grande parte da sedução deste “esporte”. É por isso que atrai grande audiência, e corrida de kart ou bicicleta, não. No risco de acidente está a grana, o patrocínio, o faturamento. É para isso que pagam um dinheirão para os pilotos.  É por isso que Wheldon, ex-campeão, receberia dois milhões de dólares pela participação na corrida em que morreu.

Enfim, automobilismo é algo que nos apaixona. Talvez ou apesar, não sei, justamente pelo risco de morte. Como gosto de textos passionais, encontrei mais dois que valem muito a pena. O primeiro, do Victor Martins:

Duro, mesmo, é quando a gente não espera. Duro é quando se bate à porta, assim, como intrusa. Maldita oficiala de justiça, sem justiça, com a intimação do despejo em punho e que só dá o direito de levar a roupa do corpo e nada mais. Em vez de esperar, ela busca. A única certeza é cruel e invencível.

O outro, do Verde:

Vi as primeiras voltas nervoso, ciente de que um acidente violento era inevitável naquele oval de absurda inclinação de 20°. Em poucos minutos, ele aconteceu. Peças voando. Fogo. Tensão. Um piloto não está bem. Vamos aos comerciais. Retornamos. Dan Wheldon está morto. Perplexo, saio da sala. Vou ao quarto. Não costumo chorar por mortes, sou meio frio com essas coisas e, estupidamente, costumo pensar que chorar por um desconhecido é patético. Mas mandei a filosofia barata à merda.

Abstinência sem crise

É curioso, irônico talvez, que um dos piores circuitos da Fórmula 1 tenha sido a casa daquela que é considerada a maior ultrapassagem da história da categoria: Piquet sobre Senna, por fora. Se nunca viu, vale a pena procurar por aí, não é difícil de achar. Reza a lenda, inclusive, que ao final da manobra, Nélson teria colocado a mão para a fora e acenado com o dedo médio levantado. Vale pelo chiste.

Se você gosta de corrida, já sabe como foi a prova na Hungria, já leu um monte de comentários, já ficou cansado de ler todas as manchetes que exaltam a grande capacidade de Button em guiar em situações adversas e como ele é mágico ao cuidar de seus pneus. É claro que ele não é um piloto comum, ou não seria campeão do mundo mesmo com um carro imbatível nas mãos (ahhhh Rubinho…), mas descontem os exageros.

A corrida foi excelente graças à indefinição climática e condições de pista que variaram muito durante todo o tempo. E foi decidida pelo erro de avaliação cometido pelo conjunto McLaren/Hamilton. Uma bela duma cagada, na verdade, que jogou no colo de seu outro piloto a vitória em dia bem especial para ele: comemorava suas 200 largadas. E, bela coincidência, foi justamente no circuito magiar, em condições parecidas, que ele conquistou o primeiro de seus 11 troféus de vencedor.

Ao final da corrida, apesar de não estar no alto do pódio pela terceira vez consecutiva, Vettel tinha ainda mais vantagem sobre o segundo colocado no campeonato, seu companheiro Mark Webber. E ainda tem gente que não percebe que o campeonato está decidido.

Agora, férias. Serão quatro semanas de abstinência, um período pior que o intervalo entre o final de uma e o início de outra temporada, pois que temos as festas de final de ano e os primeiros testes de pré-temporada para nos entreter. Agora, dificilmente haverá até boatos.

A próxima próxima acontecerá na Bélgica e é claro que todas as equipes aparecerão com muitas novidades. E saberemos quem e como evoluiu mais. Para McLaren e Ferrari, a possibilidade de um último suspiro. Para a Red Bull, a percepção de que ainda são os melhores ou que devem colocar suas barbas de molho. Uma vez que a recuperação rápida e acentuada das rivais neste ano deverá ter resultados concretos no ano que vem.

Como será o amanhã?

Como adaptar a expressão “o que não tem remédio, remediado está” quando se espera uma decisão que não veio? Pois na primeira prova do ano, o GP do Bahrein, estarão alinhados quatro carros Lotus, dois pretos e dois verdes. Por que o julgamento que começaria hoje e terminaria amanhã foi adiado pela justiça inglesa para o dia 21 de março, uma semana depois da primeira corrida da temporada, uma semana antes da segunda, na Austrália.

E aí, o que esperar. Será que uma decisão judicial obrigaríamos a conviver com uma equipe com dois nomes diferentes no mesmo ano? Depois de iniciado o campeonato, um dos times poderia alterar seu nome oficial? Não acredito, sinceramente.

E o que não tem decisão, decidido está.

Então, aproveito o gancho para indicar o especial sobre Colin Chapman produzido em parceira entre o Faster F1 e o Café com F1 (já adicionado à lista Na pista – Notícias aí na barra lateral). Essa boa parceria está funcionando desde o final do ano passado e, até chegar ao criador da Lotus, já produziu excelente material sobre Bernie Ecclestone, Ron Denis, Frank Williams e os 30 anos de aniversário do primeiro título de Nelson Piquet. Se você ainda não viu, vale entrar em um ou outro site e encontrar as séries de cinco capítulos sobre cada um desses personagens.

Observações sobre um jubileu de prata

E ontem eu consegui uma coisa que havia tempo não fazia. Assistir ao vivo a uma corrida inteira de F1. E eu cheguei a praguejar contra o senso de humor mórbido do que costuma-se chamar de destino que, fazendo das suas, reservou o GP da Hungria, um dos mais chatos e previsíveis de toda a temporada para o meu retorno. Ledo engano…

Como aconteceu bastante coisa interessante, vou por partes para tentar ser mais curto.

– Alguém precisa, urgentemente, calar a boca do Galvão. Além da chatice de sempre e de várias trocas de nomes de pilotos (também habitual), tentar comparar Vettel a grandes nomes da história é uma covardia com o garoto e mais um dos muitos desserviços que ele presta a quem assiste F1. E por causa dele, muita gente até agora não entendeu que Vettel não ultrapassou Alonso por falta de coragem ou habilidade. Sem que o espanhol cometesse qualquer tipo de erro, era simplesmente impossível ele se aproximar do carro da frente dentro da curva para forçar a ultrapassagem na reta. Pelo contrário, ao tentar se aproximar, quase saiu da pista duas ou três vezes e o mesmo aconteceria com qualquer um.

– Weber deu um show de habilidade e precisão, andando muito forte e sem cometer erros. Soube usar e abusar do fato de ter um carro equilibrado para consumir pouco pneu e – graças à punição de Vettel – vencer e assumir a liderança do campeonato.

– Será que as férias de verão ajudarão a McLaren a voltar ao campeonato. Do jeito que está, é melhor pensar no carro do ano que vem.

– Apesar da vergonha da semana passada, a Ferrari confirmou o bom momento e o fato de – por hora – ser o único time com alguma chance de lutar contra a Red Bull. Mesmo assim, a impressão é de que o time das latinhas mais perde pontos do que os outros ganham.

– Depois de cumprir a ordem da equipe na semana passada, Massa deu entrevista dizendo que enquanto houver chances matemáticas o fato não se repetirá, que o seu país é o mais importante pra ele, que isso e aquilo e coisa e tal. Mas para não dar passagem a Alonso, com ou sem ordem, é preciso estar à frente do espanhol, o que raramente conseguiu este ano. Depois de toda a confusão da semana passada, deve tomar um chá de sumiço durante as férias que só terminam no último final de semana de agosto, em SPA.

– Ao ver as cagadas de Renault e Mercedes nos boxes, não conseguir ficar sem cantarolar a musica dos trapalhões. Há muito tempo não via tamanha incompetência em um espaço de tempo tão curto.

– Antes de elogiar o brasileiro e meter o pau no alemão, é preciso entender porque Barrichelo conseguiu ultrapassar Schumacher, enquanto Vetel gramava atrás de Alonso. Rubens andava muito mais forte, com pneus novos e macios; Michael tinha problemas de equilíbrio e pneus desgastados, o que provocou uma pequena rabeada na entrada da curva que leva à reta dos boxes de Hungaroring. Por conta disso, Rubens conseguiu sair da curva embutido, apesar da turbulência, pegar o vácuo e colocar de lado para ganhar a posição e o pontinho que lhe coube.

– Ficar surpreso com a atitude de Schumacher é uma parvalhice. O sujeito tem a maior coleção de polêmicas e punições da história da F1. Some-se seu estilo Dick Vigarista à relação nada amigável com Barrichelo, e pronto. Agora, a punição que lhe foi dada é uma vergonha, não diz nada a ninguém.

– A ultrapassagem de Barrichelo foi sensacional, mostrando mais uma vez que é sim um grande piloto e não está na categoria até hoje por acaso. Uma pena apenas a sua postura e discurso (que a emissora oficial adora) depois da corrida, com lágrimas etc.

– Coincidência que ao comemorar seu jubileu de prata, o grande prêmio magiar tenha visto, como na primeira edição, um brasileiro a bordo de uma Williams ser o grande personagem da prova? A diferença é que em 86, Piquet fez sobre Senna a que é considerada a maior ultrapassagem da F1 moderna para vencer a corrida. Ontem, Rubens brigou para chegar em décimo. Sinal dos tempos.

Fórmula 171

Eu devia ter uns cinco ou seis anos quando ganhei um carro de fricção, preto com detalhes dourados, com duas asas. Provavelmente já sabia que aquilo era um Fórmula 1, o que não significa que entendesse o significado disso. Gostava do carro porque cruzava a sala de ponta a ponta, em alta velocidade.

Com o tempo, aquele carro ficou de lado e, acompanhando as corridas de Nélson Piquet, comecei a entender o que eram aquelas corridas e tive até a dimensão de quem foi Emerson Fittipaldi e o que era aquela Lotus.

Torci pelo Piquet. Mas me apaixonei mesmo pelas corridas. E com o tempo entendi como funcionava aquele negócio, a disputa dos pilotos e escuderias, o que era o jogo de equipe, quem eram os grandes ases e quais eram os grandes times. E com a aposentadoria de Nélson, deixei de ser um torcedor de pilotos e passei a querer assistir grandes corridas.

É claro que sempre se simpatiza com um ou outro, mas sempre olhei para os caras que ficavam atrás dos volantes sem me preocupar com o lugar onde tinham nascido. Nunca torci pelo Senna, por exemplo, apesar de apreciar seu arrojo.

Até que um dia apareceu um certo alemão que, com status de primeiro-piloto-praticamente-dono-da-ferrari, ao lado de Jean Todt e Ross Brawn, extrapolaram o conceito de jogo de equipe. O ápice foi o GP da Áustria de 2002, em que Rubens Barrichelo jogou a merda no ventilador ao quase parar seu carro a poucos metros da linha de chegada, permitindo a vitória do alemão. Foi um escândalo. E por conta disso, até novas regras foram criadas pela categoria.

2010 tem sido um ano especial na categoria. Apesar das dificuldades em se ultrapassar, pelas características de carros e pistas atuais, grandes duplas de equipes têm protagonizado disputas inesquecíveis, o caso de Vettel e Webber na Red Bull, Hamilton e Button na McLaren. E o mesmo se esperava de Alonso e Massa na Ferrari.

Até que o time italiano (Domenicalli à frente), o espanhol mimado e de caráter duvidoso, e o brasileiro fraco, sem atitude, sem hombridade, estragaram tudo.

Para mim, nos dois episódios, mais grave do que o jogo de equipe extremo foram as posturas dos dois brasileiros. Barrichelo expôs a farsa ao freiar quase na linha de chegada, mas depois se agarrou no discurso do “só um brasileirinho contra o mundo”. Massa, a despeito do que todo mundo viu e ouviu, primeiro fez cara de emburrado para depois dizer que foi uma decisão sua.

Não acho que a Fórmula 1 acabou ou vai acabar por causa disso. Assim como eu, milhões de pessoas continuam gostando das corridas. Mas episódios como o de domingo confirma a tese de que, mais do que um esporte, a F1 é um negócio. Um negócio que pode ser divertido para quem assiste.

Mas o que a Ferrari fez (de novo) pode sim espantar uma boa parcela de público, mesmo que temporariamente, que espera por disputas limpas e reais. Isso pode espantar patrocinadores que pagam as contas que garantem os carros na pista e tudo pode ficar muito mais difícil. Mas depois passa, como sempre.

E se você quer continuar ou começar a assistir corridas de F1, não esqueçam de não torcer por ninguém. Apenas apreciem o espetáculo. Porque da mesma maneira que nossa seleção não é a pátria de chuteiras, os pilotos brasileiros não são a pátria sobre rodas. Ou vão se decepcionar…

Deixem-no em paz

Se estivesse vivo, Senna teria completado 50 anos no último domingo. E como deixei pra falar do tema depois de passado, todo mundo já viu em todos os sites, portais, TVs, jornais e o diabo a quatro, especiais sobre o ídolo contando pela enésima vez as histórias da sua vida, de suas vitórias, suas poles, vários detalhes inéditos e tal e coisa.

Como já escrevi antes, descobri a F1 e me apaixonei por ela no início da década de 80, acompanhando o primeiro título de Nélson Piquet. Por causa disso, nenhum argumento técnico vai me convencer que houve carro mais bonito que a Brabham BT 49C. Claro que há menções honrosas para a Lotus 72 preta e dourada de Fittipaldi e a Matra azul que Jack Stewart pilotou em 1969.

Quando Senna chegou à F1, para um garoto que mal tinha ultrapassado a marca de dez anos de idade, era só mais um piloto brasileiro para quem torcer, até a lendária corrida de Mônaco, em que – a bordo da Toleman – apavorou o ‘professor’ Alain Prost pela primeira vez. Sem falar, claro, de outras corridas históricas por Lotus e McLaren.

Mas, acostumado com o constante ‘troféu limão’ de Piquet, por não ter papas na língua e nunca puxar o saco de jornalistas (principalmente da TV oficial), sempre me incomodou o jeito muito certinho do piloto, que pensava em cada vírgula de cada frase que falava. Me incomodava sua relação com a Globo, me incomodava o jeito marqueteiro de levantar bandeirinhas do Brasil a cada vitória, a história muito mal contada da sexta marcha em sua primeira vitória no Brasil.

É inegável que Senna foi um dos maiores pilotos de todos os tempos. Imbatível em voltas voadoras, conseguiu poles com carros que – nas mãos de pilotos comuns – provavelmente não largariam entre os seis primeiros, além de uma série de outras qualidades. Ninguém é tricampeão mundial de qualquer esporte se não for um sujeito especial.

Só que para definir alguém como o melhor de todos os tempos, principalmente em função da impossibilidade de comparação de tecnologias, épocas etc etc etc, só há dois critérios: números ou gosto pessoal. Pelo primeiro, Schumacher é imbatível. Pelo segundo… Nélson foi muito mais completo que Ayrton. E esse é apenas o meu ponto de vista, sem querer fazer qualquer provocação aos apaixonados (e muitas vezes xiitas) torcedores de Senna.

Se não tivesse morrido em 94, provavelmente conquistaria mais um ou dois títulos e Schumacher não teria os números que tem. Talvez se aposentasse após a quinta conquista, após ter igualado Fangio. Hoje seria, muito provavelmente, um empresário de sucesso, talvez ligado ao automobilismo.

Se não tivesse morrido em 94, da maneira que morreu, com imagens transmitidas para o mundo inteiro, dificilmente moveria ainda hoje as multidões. Provavelmente seria reconhecido como o grande campeão que foi, mas sem a histeria que sucedeu seu falecimento.

Não estou escrevendo nenhuma novidade, muita gente já falou sobre isso. Mas tentem, só por alguns momentos, imaginar como seria Senna sem o histrionismo de Galvão Bueno, sem a batida na Tamburello. Só por um minuto, imaginem como seria sua vida sem a melodramática memória daquelas manhãs de domingo, sem o tema da vitória executado em modo fúnebre de novela mexicana.

Não faz sentido dar parabéns a quem já está morto. E seria bom tê-lo visto correr mais um pouco. Mas ele já foi, como todos nós vamos um dia. Então é obrigação de todo mundo deixar o moço em paz enquanto continuamos por aqui.

Pouca gente lembra, mas naquele mesmo final de semana de 94, Rubens Barrichelo quase morreu na sexta-feira, ao decolar na variante Bassa e praticamente picotar sua Jordan na tela de proteção. Roland Ratzenberger morreu no sábado, ao encher o muro da curva Villeneuve com sua Sintek. Ayrton, no domingo. E é bem provável que a sua morte – a última de um piloto de F1 em treino ou corrida, um tricampeão morrendo ao vivo – tenha sido o grande legado de sua vida. Pois de lá pra cá, o investimento em segurança foi absurdo, tanto nos carros de corrida (de todas as categorias) quanto nos de rua.

Senna, Prost, Mansell e Piquet

Então, independente de qualquer coisa, sem responsabilizá-lo pela alegria de ser brasileiro, por continuar aproveitando as manhãs de domingo, sem lágrimas forçadas de crocodilo, a imagem que faço questão de guardar do sujeito é desta foto aí: um grande piloto que brilhou entre outros grandes pilotos.

Reminiscências

Tive infância e adolescência das mais agradáveis, vividas entre o final dos anos 70 e o início dos 90. Joguei bola na rua, bolinha de gude, soltei pipa e papagaio, futebol de botão, andava de bicicleta em volta do quarteirão, joguei Atari e Odissey, Detetive e War. Freqüentei os cines América, Carioca e Art Tijuca, comprando ingresso antes das 3 da tarde para pagar apenas 10 dinheiros da época (sinceramente, não lembro se era Cruzeiro ou Cruzado, novo ou velho), contra os 20 do horário normal. A economia era gasta no Bob’s.

Rádio Fluminense (a maldita), Paralamas do Sucesso, Mamute, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, Robin Hood, Os Titãs do Iê-iê-iê (assim que escreve?), Rock n’ Rio, Blitz, Alternativa Nativa, Barão Vermelho (com e sem Cazuza), Hollywood Rock etc etc etc.

O urso Misha chorando em Moscou, Carl Lewis e Joaquim Cruz, Bernard e sua jornada nas estrelas no Maracanazinho, Piquet tricampeão, tragédia do Sarriá, Magic Johnson e Larry Bird.

E o Maracanã.

Fui apresentado ao maior do mundo pelo meu pai. Tricolor. Não lembro quantos anos eu tinha exatamente, seis ou sete, quando fui ao estádio pela primeira vez. O Flamengo ainda não era campeão brasileiro e, num tempo em que quase todos os grandes clubes tinham grandes times, não eram raros os jogos com mais de cem mil pessoas. E meu pai se preocupou em começar a me levar em jogos ‘menores’, com pouco apelo de público, para que eu me acostumasse com o negócio. Na minha primeira visita, América 3, Inter 0.

Aos poucos, foi me levando aos jogos maiores. E como um bom pai, tentou me fazer torcer pelo seu time. E se é verdade que há fotos em que estou vestido com camisa do Fluminense ao lado da minha Monareta (quem não lembra, descubra no Google), não lembro de grandes reclamações quando cheguei em casa e disse que meu time, a partir de então, era o Flamengo.

Pelo contrário. Não foram poucas as vezes que me levou ao Maracanã para ver os jogos do Mengão. Como não foram poucas as vezes que lhe acompanhei aos jogos do Fluminense. E, assim, aprendi que ir ao Maracanã era bom, mesmo que não fosse para torcer pelo meu time.

E entre tantas e tantas lembranças, duas são guardadas com carinho especial: numa quarta à noite, um jogo que não valia muita coisa, em um início de campeonato, fomos parar na arquibancada para ver o Flamengo ganhar do Vasco por 2 a 0, seguindo sua lógica de que devia me acostumar com os grandes jogos aos poucos. Foi um dos primeiros clássicos que assisti.

Em 1984, Flamengo e Fluminense estavam nas quartas de final do Brasileirão e poderiam se enfrentar na semifinal. Bastava que um e outro passassem por Corinthians e Coritiba, respectivamente. Sistema mata-mata, o primeiro jogo do Fla foi no Maracanã e, da arquibancada à esquerda das cabines de rádio, vimos a vitória por 2 a 0. Em Curitiba, o Flu empatou em 2 a 2. Tudo bem encaminhado.

No domingo, início de maio, retribuí a companhia e voltamos para o Maracanã. Enquanto víamos o Fluminense construir sua goleada de cinco a zero, acompanhávamos o jogo do Morumbi pelo placar eletrônico. Quando o Corinthians fez 2 a 0, “calma que ainda falta muito, só precisa de um gol”. Que saiu e “não falei que ia dar tudo certo?”. Enfim, o jogo em São Paulo terminou 4 a 1 e, ao perder a chance de ver o Flamengo campeão brasileiro da arquibancada pela primeira vez, lembro da sua mão na minha cabeça e um “não chora, ano que vem tem outro campeonato” ou algo parecido.

No último domingo, fui ao Maracanã e lembrei do meu pai. Que, como eu, não tem mais paciência graças às filas, violência e ao futebol chinfrim que se assiste com uma freqüência enervante. Lembrei do meu pai ao ver a enorme quantidade de pais e filhos que foram ao “maior e mais bonito estádio do mundo”, em um dia que o futebol foi uma festa, dia de arquibancada cheia mas sem confusão, como quando íamos juntos. Dia de homenagem ao Washington, metade do Casal 20 que deu ao Flu aquele brasileiro de 84. Dia de Zico, Junior, Andrade, Adílio, Nunes e Tita, que formaram no maior time de todos os tempos e me fizeram apaixonar pela camisa vermelha e preta.

Lembrei do meu pai que, sem eu me dar conta, usou o Maracanã para minha primeira aula sobre democracia e uma das muitas sobre respeito, ao comemorar um gol abraçado a quem está ao seu lado não importando quem é, ao bater palmas para um lindo lance não importando a camisa que se veste.

Lembrei do meu pai, porque foi um dia como aqueles em que íamos ao Maracanã mesmo que nossos times não estivessem jogando, porque valia a pena estar juntos para ver futebol. Porque futebol bem jogado é bom de ver, não importando a idade de quem assiste ou, como no domingo, de quem joga.

O primeiro legado, o primeiro engodo

Uma das tragédias do Pan 2007 e, por conseqüência, dos jogos Rio 2016 é o entendimento que para realizar um evento e construir novas instalações esportivas o princípio de tudo é a destruição de uma outra praça esportiva. Apesar de não fazer o menor sentido, foi isso que aconteceu.

Para construir uma arena, um parque aquático e um velódromo, mutilaram um espaço de classe mundial, o Autódromo Nélson Piquet. Com a definição do Rio como sede olímpica, o pouco que sobrou da pista será destruída definitivamente.

Autódromo de Jacarepaguá em 1964. Nessa pista foram realizadas algumas edições dos 1.000 km da Guanabara.

Autódromo de Jacarepaguá em 1964. Nessa pista foram realizadas algumas edições dos 1.000 km da Guanabara.

Então, agradeçamos a Nuzman, César Maia, Eduardo Paes, Sergio Cabral, Lula etc etc etc (além da luxuosa colaboração da Confederação Brasileira de Automobilismo e sua completa falta de interesse e atuação).

É bom lembrar que Jacarepaguá viu provas de Fórmula 1, com vitórias de Nélson Piquet, o reinado de Alain Prost e um histórico segundo lugar de Emerson a bordo do Copersucar. A pista também recebeu a Moto GP e os cariocas se curvaram a Valentino Rossi. André Ribeiro foi outro brasileiro a brilhar no complexo, vencendo uma das poucas corridas da Indy que o Rio sediou. Além de boa parte da história do automobilismo nacional, é claro.

Ou seja, essa turma conseguiu destruir mais de 30 anos de história (claro que só estou me referindo ao autódromo moderno), um circuito misto apontado como dos melhores e mais seguros do mundo, um oval médio e original com duas freadas fortes e um kartódromo.

E aí, nosso fabuloso ex-prefeito (aquele que começou a destruição), em seu ex-blog, resolve fazer farofa e grita aos quatro ventos que é preciso construir um novo autódromo, que a justiça já decidiu por isso, que a CBA tem que fazer valer seus direitos etc etc etc.

Cacete, se acredita nisso tudo, porque cargas d’água deixou destruírem o autódromo? Ah tá, precisava aparecer de alguma maneira, está fora da mídia há muito tempo…

Bom, reza a lenda que um novo complexo será construído, de acordo com todas as exigências da FIA, e que permitirá ao Rio receber, novamente, a fórmula 1. E já dizem até que a pista será em Deodoro. E aqui há dois detalhes.

O primeiro é a distância do Centro e da zona sul, pontos de concentração de turistas. Vale lembrar que, no mundo inteiro, os autódromos não ficam em locais centrais, por várias razões, entre elas o barulho e o trânsito do público. E, pensando em Jacarepaguá, quando surgiu a primeira pista (na época das fotos em preto e branco) e mesmo quando foi construído o autódromo que recebeu a F1, aquele cantão não era (até hoje não é) muito habitado. Ou seja, por esse aspecto, Deodoro não seria um problema.

Mas aí, resolvi abrir o Google Maps e… Onde ficará o tal autódromo? Vão destruir a Vila Militar? Ou colocarão abaixo o Campo dos Afonsos? Vão desfazer o bairro e transferir sei lá quantas mil famílias para sei lá onde? Porque não há espaço!!! Dêem uma olhada na imagem abaixo. Estão tentando enganar quem?

Deodoro

Enfim, para todos aqueles que gostam de automobilismo, fica o recado: nunca mais teremos um autódromo no Rio, eis o primeiro legado combinado do Pan com as Olimpíadas. Gostaria muito de estar errado, torço mesmo para isso. Mas até que os primeiros carros partam para o primeiro treino de classificação da primeira corrida, o novo autódromo carioca não passa de ficção.

Verbetes e Expressões (6)

Vendetta

Sequência de ações e contra-ações motivadas por vingança que são levadas a cabo ao longo de um extenso período de tempo por grupos que buscam justiça.

•••

Briatore e Symonds estão fora da Fórmula 1, o que parece mostrar que os Piquet alcançaram seus objetivos. O tal julgamento da semana que vem servirá apenas para definir se os dois serão banidos do esporte ou não, quem sabe voltam um dia. Outro detalhe é que a demissão dos dois funciona como uma confissão de culpa, o que – de certa forma – invalidaria todos os processos abertos contra o tricampeão e seu filho. Mas e aí?

Daí que resolvi, em vez de escrever mais do mesmo, postar abaixo o último post do Blog do Capelli, que escreve e conhece como poucos sobre F1.

Na roda viva da destruição de reputações da Fórmula 1, mais dois nomes entraram hoje para o rol dos defenestrados: Flavio Briatore e Pat Symonds. Acusados por Nelsinho Piquet de arquitetarem um plano maquiavélico de forçar um Safety Car no GP de Cingapura do ano passado, foram hoje demitidos pela Renault. O que parece um ato de vingança foi consumado. Mas fica a pergunta: vingança de quem?

Que os Piquet – pai e filho – queriam muito ver Briatore pelas costas, não há dúvidas. Mas, por mais que a informação que tinham em mãos fossem bombásticas, o chefão da Renault não seria derrubado se não houvesse o interesse em sua queda por parte de outros chefões.

Afinal, o escândalo de Cingapura não pode ser encarado como uma grande surpresa. Jocosamente, a suspeita já corria pelo paddock há muito tempo. Soava como folclore, não havia provas concretas, mas de fato todo mundo sabia o que tinha acontecido. Como revelou Reginaldo Leme, Felipe Massa procurou Briatore naquele próprio final de semana para, com dedo em riste, acusá-lo: “isso não se faz”. Se ninguém correu atrás de provas na época, foi porque ainda não havia o interesse em derrubar Briatore.

E se agora Nelsinho delatou e apresentou provas, foi porque tal interesse houve. O piloto brasileiro certamente não agiu sozinho, uma delação desse porte apenas por uma demissão e uma briga com seu empresário não faz o menor sentido.

Se Nelsinho foi ingênuo ou não, se se queimou ou não, teremos noção nos próximos meses. Se conseguir salvar sua carreira na Fórmula 1 e assinar com outra equipe, poderemos concluir que teve sucesso em sua vingança. Mas se realmente perdeu reputação, será possível entender que foi usado para a vingança de alguém maior.

O nome desse alguém? Difícil afirmar categoricamente, mas é inegável a sensação de que tudo isso está relacionado à divulgação de um certo vídeo erótico por parte de um tablóide britânico. É bom lembrar que Ron Dennis, desafeto do presidente da FIA, foi impelido a se afastar da Fórmula 1. Coincidência ou não, o mesmo acontece agora com Flavio Briatore.

Max Mosley não dá ponto sem nó. Ele vai embora, mas vai levar os inimigos consigo.

Capelli é jornalista e, além do blog, colabora com o site Grande Prêmio, escreve no site GP Total e co-produz e co-apresenta o podcast Rádio GP.

Mais uma novela nas pistas 3 (ou como queimei a língua ou como manchar a história)

piquet jrA turma que passa por aqui sabe o que penso sobre o caso de Nélson Ângelo Piquet. Viu como não acreditei na armação, leu quando admiti que tinha errado. E abaixo está a carta de confissão do garoto sobre o acidente proposital que acabou beneficiando seu companheiro de equipe.

No depoimento, três detalhes: o piloto isenta Alonso da armação, diz que seu pai também não sabia de nada e afirma que apenas ele, Briatore e Pat Symonds, diretor-técnico da Renault, sabiam o que houve.

Sobre Alonso, ainda me soa estranho que o espanhol, o beneficiado, não soubesse de nada. Mas nessa altura do jogo, não faria sentido o brasileiro criar outra mentira. Mesmo assim, e como tudo é possível, vale ficar com a pulga atrás da orelha. Essa atitude não faria parte do acordo de delação premiada que o eximirá de punição?

Sobre seu pai, acredito que ele realmente não soubesse de nada. Nélson não freqüentava as corridas no ano passado, era raro vê-lo no padock. E como uma coisa dessa necessariamente envolve muito segredo e um risco enorme, além de ter sido decidido no dia da corrida, faz sentido. Mas é inegável que a armação foi moeda de troca para a manutenção do filho na equipe até o GP da Hungria deste ano. Quem acompanha um pouquinho de F1, sabe que Nelsinho foi demitido e readmitido, agora sabemos porque.

O terceiro detalhe é o mais impressionante: ninguém, nenhum engenheiro ou mecânico da equipe de Piquet sabia o que ia acontecer? O garoto perguntava a todo momento em que volta estava, coisa que nunca fez, e ninguém achou estranho? A telemetria mostrou que ele continuou de pé embaixo em um trecho em que sempre desacelerava e tudo passou como normal?

Enfim, leiam a carta, em tradução do site da FIA pescada no site Grande Prêmio.

Eu, Nelson Angelo Piquet, nascido em 25 de julho de 1985, em Heidelberg, Alemanha … digo o seguinte:

1. Salvo o que for dito de outra maneira, os fatos e declarações contidos neste depoimento são baseados em fatos e assuntos de meu conhecimento. Acredito que tais fatos e declarações contidos neste depoimento são verdadeiros e corretos. Onde quaisquer fatos e depoimentos não forem do meu inteiro conhecimento, são verdadeiros conforme meu conhecimento e lembrança e, se apropriado, eu indico a fonte do meu conhecimento e lembrança.

2. Faço este depoimento voluntariamente para a FIA e com a finalidade de permitir à FIA que exerça as suas funções de supervisão e de regulamentação no que diz respeito ao Mundial de F1.

3. Estou ciente de que existe um dever a todos os participantes do Mundial de F1 e a todos os portadores da superlicença para garantir a justiça e a legitimidade do campeonato e estou ciente de que graves consequências podem ocorrer se eu der à FIA qualquer declaração falsa ou enganosa.

4. Eu tenho ciência de que o meu depoimento completo foi gravado em uma fita de áudio e que uma transcrição completa da minha gravação de áudio será disponibilizada para mim e para a FIA. O presente documento constitui um resumo dos principais pontos feitos durante a minha declaração oral.

5. Gostaria de trazer os seguintes fatos ao conhecimento da FIA.

6. Durante o GP de Cingapura de F1, organizado em 28 de setembro de 2008 e válido pelo Campeonato Mundial do mesmo ano, fui orientado por Flavio Briatore, meu empresário e chefe de equipe da Renault, e por Pat Symonds, diretor-técnico da Renault, a deliberadamente bater meu carro para influenciar de forma positiva o desempenho da equipe no evento em questão. Concordei com a proposta e causei um acidente ao bater com meu carro no muro durante a 13ª/14ª volta da prova.

7. A proposta de causar deliberadamente um acidente foi feita a mim pouco antes da corrida, quando fui chamado por Briatore e Symonds ao escritório de Briatore. Symonds, na presença de Briatore, me perguntou se eu estaria disposto a sacrificar minha corrida pela equipe “causando um safety-car“. Todos os pilotos de F1 sabem que o safety-car é liberado quando há um acidente que bloqueie a pista, seja por destroços de uma batida ou por um carro parado, assim como quando há dificuldade de remover um carro danificado, como foi o caso.

8. Na época em que aconteceu a conversa, eu estava em um estado emocional muito frágil. Isso foi causado pelo intenso estresse provocado pela recusa de Briatore em me informar se meu contrato de piloto seria ou não renovado para a próxima temporada (2009), como costumeiramente é o caso no meio do ano (entre julho e agosto). Ao invés disso, Briatore repetidamente me pediu para assinar uma “opção”, que significava que eu não poderia negociar com nenhuma outra equipe neste período. Ele seguidamente me pressionava a prolongar a opção que eu havia assinado, e regularmente me chamava ao seu escritório para falar sobre essas renovações, até mesmo em dias de corrida – em um momento que deveria ser de concentração e relaxamento antes da prova. Este estresse era acentuado pelo fato de que eu havia me classificado na 16ª posição no grid para o GP de Cingapura, então estava muito inseguro com relação ao meu futuro na Renault. Quando fui pedido para bater meu carro e causar um safety-car para ajudar o time, aceitei, pois esperava que isso fosse melhorar minha posição na equipe neste período crítico da temporada. Em nenhum momento ninguém me disse que, por concordar em causar um incidente, teria garantido a renovação do meu contrato ou qualquer outra vantagem. Entretanto, no contexto, pensei que isso me ajudaria a alcançar este objetivo. Por isso, concordei em provocar o incidente.

9. Depois do encontro com Symonds e com Briatore, Symonds me levou a um canto tranquilo e, usando um mapa, me indicou exatamente a curva em que eu deveria bater. Esta curva foi escolhida por causa do local específico da pista, que não tinha guindastes para suspender e levar rapidamente um carro danificado para fora, nem qualquer abertura na pista, o que permitiria a um fiscal retirar rapidamente o carro. Portanto, considerou-se que um acidente naquele lugar específico quase com certeza causaria uma obstrução da pista, o que resultaria na entrada do safety-car para permitir a liberação dela e garantir a continuação em segurança da corrida.

10. Symonds também me disse exatamente em que volta eu deveria causar o incidente, de modo que uma estratégia pudesse ser implantada para que o meu companheiro, Fernando Alonso, pudesse reabastecer nos boxes pouco antes da entrada do safety-car, o que ele de fato fez na volta 12. A chave para essa tática residia na quase certeza de que o safety-car entraria na pista nas voltas 13 ou 14, permitindo ao time fazer Alonso largar com uma estratégia de combustível agressiva, usando um carro leve com gasolina suficiente para parar na volta 12, mas não mais do que isso. Isso permitiria a Alonso ultrapassar tantos carros (mais pesados) fosse possível, sabendo que, depois, aqueles carros teriam dificuldades de alcançá-lo pela posterior entrada do safety-car. Esta estratégia foi bem-sucedida, e Alonso venceu o GP de Cingapura de F1 em 2008.

11. Durante estas discussões, não foi feita nenhuma menção em relação às implicações de segurança dessa tática, seja para mim, para o público ou para os outros pilotos. O único comentário feito neste contexto foi de Pat Symonds, que me alertou para “ter cuidado”, o que eu interpretei como não me contundir.

12. Eu causei intencionalmente a batida, deixando perder o controle do carro pouco antes da curva pertinente. A fim de me certificar de que eu causaria o incidente durante a volta certa, eu perguntei à equipe por diversas vezes o número da volta em que estávamos, o que normalmente não faço. Nem eu, nem ninguém se lesionou no acidente.

13. Após as discussões com Briatore e com Symonds, descritas acima, a “estratégia do acidente” nunca mais foi discutida novamente com qualquer um deles. Briatore disse discretamente “obrigado” após  o final da corrida, sem mencionar mais nada. Não sei se alguém tinha conhecimento desta estratégia no início da prova.

14. Depois da corrida, eu informei a Felipe Vargas, um amigo da família e conselheiro, o fato de que o incidente havia sido deliberado. Vargas ainda informou ao meu pai, Nelson Piquet, algum tempo depois.

15. Após a prova, vários jornalistas fizeram perguntas sobre o acidente e me perguntaram se eu tinha feito de propósito, pois acharam o incidente “suspeito”.

16. Na minha própria equipe, o engenheiro do meu carro questionou a natureza do incidente, pois considerou incomum, mas eu respondi que tinha perdido o controle do carro. Eu acredito que um engenheiro inteligente notaria pela telemetria do carro que o acidente foi proposital, porque continuei acelerando, enquanto que a reação “normal” seria a de usar o máximo de freio possível.

A afirmação foi feita na sede da FIA, em Paris, no dia 30 de julho de 2009, na presença de Alan Donnelly (presidente dos comissários da FIA), Martin Smith e de Jacob Marsh (ambos da empresa de investigações Quest, contratada pela FIA para ajudar na investigação).

Independente dos resultados das investigações, algumas conclusões podem ser tiradas:

– Briatore e Symonds devem ser defenestrados da Fórmula 1. Especificamente sobre o italiano, é algo que deixará muita gente feliz. A começar pelo atual presidente da FIA, Max Mosley.
– A Renault deve se retirar do campeonato ao final da temporada, ameaça que faz há anos e para a qual tem agora um bom pretexto.
– Nelsinho tem uma proposta da Campos Meta 1, equipe que estreará em 2010, em que o piloto seria remunerado de acordo com o número de pontos que conquistar. Também já negocia uma vaga na Indy, para o caso de não ter equipe na F1.

Algumas coisas para se pensar a respeito:

– Mesmo que consiga continuar na F1, quem respeitaria um piloto capaz de jogar seu carro no muro, de propósito? Como equipes e pilotos olharão para ele a partir de agora? Afinal, a sensação é de que seria capaz de fazer qualquer coisa em benefício próprio. Mesmo que siga na categoria, moralmente sua carreira está encerrada.
– Nelsinho alega “estado emocional muito frágil”. Desculpem, mas não cola. Até porque, por todas as histórias e entrevistas que vi de pilotos e chefes de equipe ao longo dos mais de 20 anos que acompanho a F1, em “estado emocional muito frágil” não se deve nem sentar no carro, muito menos acelerá-lo a quase ou mais de 300 km/h sob o risco básico de morrer ou matar alguém. Nelsinho mostrou, sim, que é um fraco e pouco inteligente. Com os resultados que vinha tendo e com a personalidade explosiva de Briatore, acreditou piamente que teria vida longa na equipe, bastava seguir qualquer ordem por mais estapafúrdia que fosse?
– Com a atitude, Nelsinho conseguiu manchar definitivamente o nome Piquet e a história construída por seu pai. Será que valeu a pena?

E perguntas que ainda não vi ninguém fazer:

– Se Alonso não tivesse sido beneficiado e não tivesse vencido, Nico Rosberg seria o vencedor (sua primeira vitória) e Lewis Hamilton o segundo colocado. Com isso, a diferença entre Hamilton e Massa ao final do campeonato seria de três pontos e não de um. E toda aquele drama vivido na última corrida não teria existido. O resultado corrida será revisto?
– Como houve manipulação de resultados, público e meios de comunicação que pagam caro por ingressos e direitos de transmissão e credenciamento de profissionais poderão acionar a Renault, Briatore, Symonds e Nelsinho judicialmente? Nesse caso, sobraria para a FIA?