Cinzas

IMG_7663 cópia 2Olho minhas moças em casa e o horizonte que se desenha, o país que se desenha, e fico apavorado. E entro em parafuso quando vejo a turma em volta (boa parte da turma, claro) não se dando conta. Será que estou ficando louco? Paranóico? Sei não…

Já ando desanimado há tempos. E quem me conhece bem, sabe o que significa o carnaval pra mim. Mas o deste ano, sincera e definitivamente, não terá o mesmo sabor. Vai que estou mesmo ficando velho e ranzinza, a descrição informal de um nível de realismo tão agudo que o mundo ao redor perde boa parte da graça.

Cinzas. E o carnaval nem começou ainda.

Quando Barroso e Zavascki foram nomeados, ninguém teve dúvidas que tudo não passava de encomenda, tudo decidido já. Foi algo tão gritante que nem os amigos dos (agora) co-autores tentaram negar. Silêncio.

Ontem foi apenas o desfecho (de uma etapa, vem mais por aí) esperado.

Não vou defender Barbosa, Aurélio, Fux, Mendes e Mello. Não é o caso nem precisam de mim, vamos combinar. E como qualquer outro, fazem (na minha opinião) suas cagadas. Também não vou tentar negar o ímpeto autoritário e os tons fora do tom do presidente do tribunal. Da mesma maneira que nunca acreditei que o tribunal fosse salvar nosso querido e trágico país.

Mas o sinal transmitido com as nomeações e confirmado ontem é que, hoje, estamos à disposição – sem qualquer opção de escape – do poder de plantão. E é essa a grande questão.

Será que, a esta altura, alguém com o mínimo de instrução não percebe (a não ser por escolha) que o que temos hoje é um projeto de poder? Tudo em causa e benefício próprio. Não, não acho que vivemos o mesmo caso da Venezuela e da Argentina e da Bolívia etc. Somos diferentes sim. Mas estar de mãos dadas que com essa camarilha diz muito. Ou não?

E se começamos a esticar a sanfona, então, não haveria tempo e papel suficiente para escrever a respeito. Pelo menos eu, que não vivo disso. Mas o que dizer de um governo, em um país com cerca de 120 milhões de eleitores, que montou um cabresto de mais ou menos 25 milhões de indivíduos?

O que dizer de um governo capaz de – ao mesmo tempo – quase destruir (a impressão é que vão chegar lá, tomara que não) a maior empresa do país e, ao mesmo tempo, não ter sequer nenhum acordo bilateral com o resto do mundo?

O que dizer de um governo que deixa o país parar completamente por falta de investimento adequado em infraestrutura e logística?

O que dizer de um governo que fez o que fez no rio São Francisco?

O que dizer de um governo que não só permite, mas estimula que alguns indivíduos sejam “mais iguais” que outros?

O que dizer de um governo que deixa seu país flertar com a barbárie?

O que dizer de um governo que não só não luta contra, mas estimula (inclusive financeiramente) o linchamento moral de qualquer um que tenha uma opinião diferente do status quo, dos amigos, dos aliados e dos co-autores?

A lista é interminável.

A resposta é curta: mal intencionado, incompetente e corrupto.

Sim, corrupto. Comprovadamente corrupto. Não apenas de nossa impressão geral construída ao longo dos anos sobre qualquer político. A turma ainda está presa e com a ficha suja. Pelo menos até conseguirem a revisão da pena (e eles vão conseguir, não tenham dúvida).

A lista é interminável. E a mulher será reeleita. E se ela corresse algum risco, o apedeuta se apresentaria e levaria de braçadas. Porque a nossa oposição é tão débil, tão sem sentido, que um dos candidatos se retiraria em apoio a Lula, se ele aparecesse.

Não, não vivemos hoje no país da piada pronta. Estamos construindo, já há 12 anos, o país da tragédia pronta.

E sim, esse texto lastimável e lastimoso às vésperas de um carnaval não pretende convencer ninguém a nada. É apenas um desabafo de um sujeito absolutamente desesperançoso e desesperançado. E que tem duas filhas neste país desgraçado, neste país que está sendo desgraçado.

Sim, uma hora eu desisto e vou-me embora (já respondendo ao eventual xiita que aparecer por aqui perguntando por que não dou no pé). Infelizmente, meu coração avisa que a contagem regressiva já começou.

Evoé.

Tentando desenhar

Violência após o ato pela educação, no Rio / Foto: Byron Prujansky/FacebookAcho que já escrevi a respeito, mas vou tentar desenhar. Tem gente que ainda não entendeu o porquê de tanta violência e a quem interessa a confusão. Vai em tópicos, pra ficar ainda mais fácil.

1. Desde junho, quando as manifestações começaram a crescer, o pau canta nas ruas.
2. Primeiro, foi nítido que as multidões estavam infiltradas (e eu assisti isso de perto).
3. Depois surgiram o Black Bloc, o Fora do Eixo e a Mídia Ninja. E até hoje há muitas pessoas acreditando que são todos muito independentes.
4. A pancadaria, claro, afastou as pessoas comuns das manifestações, que diminuíram clamorosamente de tamanho.
5. A quem interessa que a população se manifeste e defenda seus direitos?
6. A quem interessa esvaziar as ruas, amedrontando as pessoas para que elas não se manifestem e voltem ao estado bovino da massa?
7. De quebra, a pancadaria deixa um rastro de destruição (fora aqueles que se aproveitam pra roubar e saquear) que ajuda a aterrorizar e fortalecer o discurso contra as manifestações.

Quem acompanhou a transmissão do ato pela educação de ontem, no Rio, pôde perceber exatamente como as coisas acontecem. Após a passeata que reuniu algumas dezenas de milhares de pessoas chegar à Cinelândia, houve alguns pronunciamentos e começou a debandada de quem participou do ato. E pronto.

Apareceu a polícia (o choque, sempre o choque) e o encontro com os Black Bloc (aqueles que se dizem independentes) foi aquela alegria: bombas, gás, borracha, porrada, pedras e muita destruição.

Será que agora ficou fácil de entender?

Não, não estou discutindo métodos (por exemplo, sou contra ocupações). Mas daí dizer que não é legítimo que as pessoas se organizem (ou não) e se manifestem vai uma enorme diferença.

Agora, negar que há um grande esforço por esconder as verdades e pela manutenção do poder é fazer de conta que vive em Marte. E, sim, tem muita gente por aí que anda se escondendo da realidade.

A arma, o réu, o véu que cairá*

O que será o amanhã? / Foto: JC Palme

No Brasil nunca há “hoje”; só ontem e amanhã. Amanhã será amanhã ou será ontem. Depois de tanto tempo para se (des) organizar uma república democrática, o ministro Celso de Mello tem nas mãos o poder de decretar nosso futuro. (…) Eu me lembro do início do julgamento. Tudo parecia um atemorizante sacrilégio, como se todos estivessem cometendo o pecado de ousar cumprir a lei julgando poderosos. Vi o “frisson” nervoso nos ministros juízes que, depois de sete anos de lentidão, tiveram de correr para cumprir os prazos impostos pelas chicanas e retardos que a gangue de mensaleiros e petistas conseguiu criar.

(…)

Amanhã, Celso de Mello estará nos julgando a todos; julgará o país e o próprio Supremo. Durante o processo, qualificou duramente o crime como “o mais vergonhoso da História do País, pois um grupo de delinquentes degradou a atividade política em ações criminosas”. E agora?

Será que ele ficará fiel à sua opinião inicial? Ele fez um risonho suspense: “Será que evoluí?” – como se tudo fosse mais um doce embate jurídico. Não é.

Arnaldo Jabor

Por todos os cheiros que pairam sobre nossas cabeças, minha previsão é que Celso de Mello vote pelos embargos. Como não sou vidente, espero estar errado.

O problema dessa decisão que sai amanhã é que olhando todos os textos legais, qualquer tese contra ou a favor é absolutamente aceitável. Assim, como deveria proceder o ministro?

Segundo manda sua consciência, claro. Ou vocês acham que tenho a competência para dar-lhe conselhos? Mas gostaria de acreditar que Celso (assim, com initimidade) se lembrará do significado simbólico de sua decisão, da mensagem que enviará – mais do que aos políticos habituados a meter a mão nas bolsas da viúva – à sociedade, ao povo.

Nada mais ofensivo e transgressor à paz pública do que a formação de quadrilha no núcleo mais íntimo e elevado de um dos Poderes da República com o objetivo de obter, mediante perpetração de outros crimes, o domínio do aparelho de Estado e a submissão inconstitucional do Parlamento aos desígnios criminosos de um grupo que desejava controlar o poder, quaisquer que fossem os meios utilizados, ainda que vulneradores da própria legislação criminal.

Celso de Mello

O ministro disse essas palavras no dia 2 de agosto, na primeira sessão do julgamento da ação penal 470. Mais incisivo, impossível. Então, o que desejo por hora, é que o decano lembre disso amanhã.

E para marcar, um pequeno set list que por meios tortos ou diretos, de qualidade aceitável ou discutível, de estilos bastante diferentes, falam sobre as faces do amanhã. Tive a idéia depois de ler a coluna do Jabor no Estadão de hoje. Vai que inspira o ministro…

*verso da canção Amanhã… Será?, de O Teatro Mágico

O STF e seu 11/9

11 de setembroO grande barato desse meu cafofo é que não tenho qualquer compromisso com qualquer coisa. Já escrevi sobre isso outras vezes. É quando quero, se quero, sobre o que quero.

Não é por acaso que já estou há semanas sem escrever, já não é a primeira vez que reclamo de enfado em relação ao que vem acontecendo nesse nosso Brasil de meu Deus.

Quando a atuação de Joaquim Barbosa como relator da Ação Penal 470, o processo do mensalão como sabemos todos, quase o transformou em pop star, isso não se deu por acaso. Apesar de todos os seus defeitos superlativos, viu canalizado para si e suas posturas a esperança de que, apesar e com toda a demora do nosso judiciário, haveria solução, haveria a chance de se começar a construir um país moral, ético.

Quando explodiram as manifestações de junho, em meio a um bom tanto de balbúrdia e à clara falta de foco, ficou patente que a grande demanda, o grande desejo era a necessidade de um país sem corrupção.

Então é sintomático e extremamente simbólico que Luis Roberto Barroso – recém empossado e claramente com a missão de torcer a realidade em favor de interesses pessoais contra os republicanos que deveria defender – tenha encerrado seu voto falando da necessidade de se dar uma resposta à sociedade. Bela resposta, diga-se.

A essa altura, mesmo que o plenário recuse por 6 a 5 os embargos infringentes (o que já não acredito mais), o que a turma de ministros a soldo terá feito é demonstrar que já não há mais esperança, que estamos mesmo entregues às querências de um projeto de poder, de um partido que – depois do maior estelionato eleitoral de nossa curta história -, usando todos os mecanismos democráticos, aplica sobre nós o maior golpe contra a democracia (plena) que o país terá vivido em toda sua história. E aos que acham que isso é fatalismo, preparem-se para o marco civil da internet e o controle social da mídia.

Então não é por acaso a imagem escolhida pra ilustrar esse post. Não é por acaso que a estátua da liberdade está ali, como que observando o mundo ruir e virar fumaça. Estamos entregues.

Impossível pois, com tudo isso, não se reconhecer como o tolo personagem de Raul.

Abaixo, um texto de Luiz Octavio Bernardes, um sujeito de pena brilhante como diriam os antigos.

O STF submisso

Nem uma virada histórica que determine o placar de 6 a 5 contra os embargos infringentes vai apagar a mancha na sua trajetória que o STF se autoimpôs hoje. Isto porque, por uma questão regimental, logo após o relator, que vem a ser o atual presidente Joaquim Barbosa, apresentar seu voto de não aceitar os embargos, fomos bombardeados com outros três acatando os tais, cada qual com uma lógica que enrubesce quem não é causídico como eu.

Invocando aspectos regimentais, Barroso e Zavarscki cumpriram com o que o PT os orientou, mas derraparam feio no Direito Constitucional.

O mesmo raciocínio foi usado pela ministra Rosa Weber, esta exibindo uma linguagem corporal de quem queria mesmo era passar totalmente despercebida e ponderando “sims” e “nãos” até, finalmente, pronunciar seu voto. Estava difícil entender onde ela ia terminar.

O ministro Fux, igualmente nomeado pelo PT, começou enumerando as incongruências pronunciadas pelos que o antecederam. E com uma fisionomia de ironia, como que transmitindo “vou votar, mas as cartas estão marcadas”. Ironia compartilhada por Marco Aurélio Mello, que chegou a falar “revisar deve ser melhor, afinal aqui somos todos juízes pouco experientes”.

Em seguida veio o cidadão que mais deve envergonhar o STF em sua história: Dias Toffoli. Abriu a boca e com cinco minutos de fala recebeu uma reprimenda e um devido desprezo de Joaquim Barbosa e nenhum aparte a seu favor. Este sujeito entende menos de Direito Constitucional que muito advogado de porta de cadeia. Ele realmente envergonha e mancha a reputação da corte máxima do país. Depois do puxão de orelhas, proferiu seu voto em mais cinco minutos, cortado por um “termina logo que eu tenho um compromisso inadiável, por favor” do Celso de Mello, o que demonstra o quanto seus pares o consideram.

Eu, que repito, não sou causídico, fiquei com a seguinte impressão: todos os ministros estão sob terrível pressão. Pressão esta que não se sabe nem a que nível chega, mas deve ser enorme. Isso justifica o comportamento da Rosa Weber, que acompanhou os votos do relator nas penas e agora defende uma “outra chance” de rever as mesmas penas que ela ajudou a definir. Visivelmente, cedeu à pressão.

Pressão de dois novos chegados, Barroso e Zavarscki que não participaram das 52 sessões do julgamento e estão livres para invocar qualquer baboseira que descobrirem no arcabouço legal para justificar seu voto agora. Um “penduricalho” como definiu o Ministro Fux, por exemplo. A mesma pressão que deu conforto a Luiz Fux para detonar, inclusive citando jurisprudências de outros países, os embargos, pois ele sabe que o resultado está definido e aproveitou para brilhar no palco.

Ocorre que um novo julgamento – e isso foi dito em plenário pelo ministro Gilmar Mendes – que “ninguém aguenta mais” vai ser muito mal recebido pela opinião pública e de certa forma diminuirá a envergadura do STF nos embates com o Legislativo e o Executivo que temos observado recentemente.

Somado à empáfia de alguns dos réus que não economizam em desafiar princípios do Direito Penal (como interferir no julgamento) com o respectivo beneplácito da velocidade quelônica da nossa justiça, a antipatia a tudo isso atinge o auge. O problema é que parece que o brasileiro se resignou em apanhar da polícia. E está desamparado juridicamente porque os legislativos criam mecanismos de autoproteção.

Por este motivo, depositava-se no STF um crédito no qual, se pelo menos pusessem um fim a esse famigerado mensalão sem se curvar ao partido que se apoderou do país, estaríamos ainda ouvindo os ecos de junho e quem sabe nos alimentaria para novas mudanças.

Mas não. O STF hoje escreveu uma das páginas mais obscuras de sua História hoje, 11/09/2013.

Nos trilhos

Estrada de FerroSabem por que ando entediado? Porque no final das contas, todas essas confusões políticas apontam para a mesma direção. E no final das contas, ficamos (a massa que ainda depende da mídia tradicional e ainda é maioria no país) à mercê de como as coisas são noticiadas.

Por exemplo, a história da Siemens e do cartel em São Paulo, em que tentam arrastar até os mortos para o pântano.

Agora, vejam que curioso: o mesmo problema aconteceu no Distrito Federal, e isso – definitivamente – não anda sendo explorado.

Em mais uma obra com problemas, dessa vez em Fortaleza. O metrô com superfaturamento comprovado, que custou o triplo do estimado no projeto e que foi pago com dinheiro federal, foi realizado por um consórcio formado pelas seguintes empresas: Siemens, Alstom, Bombardier e Balfour Beatty. Reconhecem?

E ainda há o estranho caso do consórcio formado por Alstom e CAF. Em Belo Horizonte, numa licitação da CBTU (federal), a primeira ficou com 90% do negócio e a outra com 10%. Já em Porto Alegre, em licitação da Trensurb (federal), as proporções do negócio foram invertidas. Em ambos os casos, não houve concorrentes nas licitações e as compras de trens não foram canceladas. Estranho?

Pra mim, estranho de verdade é não ver essas histórias maciçamente noticiadas. Mas tenho certeza que isso não é de propósito, é apenas porque não cabe tudo nos telejornais.

Bom, mas eu falava de tédio e mais do mesmo. Então, hoje haverá manifestação em São Paulo, convocada pelo MPL, aquele Movimento Passe Livre. Afinal, o último escândalo é sobre trens e metrô, imaginem se perderiam a chance. Pois é bom não esquecer que o MPL é parceiro histórico do PT. E se há manifestação, estarão lá o Black Block (é assim que escreve?), para provocar e se bater com a polícia, e a Mídia Ninja, aquela turma independente que anda de braços dados com o Capilé.

Em compensação, nos outros lugares em que o governo federal ou suas estatais pagaram pelas obras com os mesmos problemas de São Paulo, ninguém fala nada, ninguém faz nada.

E tudo isso é mesmo um tédio, porque continuamos (e continuaremos, pelo visto) falando de manutenção (no caso do governo federal e alguns de seus aliados) e conquista de poder (o estado de São Paulo sempre foi a jóia da coroa dos sonhos do PT).

Só um detalhe: o contrato de Porto Alegre foi assinado pela própria Dilma. Mas quem se importa, né não?

Horizonte, cenário, contexto…

Metrô

Inflação: já mandaram a conta da rebelião para o povo

O crescimento da inflação / Imagem: Jeremias

Usam as conquistas da sociedade como desculpa para as dificuldades econômicas que produziram com a incompetência, a corrupção e o desprezo pela população.

A rebelião dos brasileiros é vitoriosa. Não interessa se vai durar mais um dia ou um ano. Ela surgiu numa grande explosão, como uma estrela, sem pedir licença, e vai se apagar também como uma estrela, também sem pedir licença. Não deve satisfação.O Brasil já mudou para melhor. A sociedade não está mais calada e os que estão no poder estão tendo de ouvir e mostrar serviço. Esta é a grande conquista da rebelião. O desafio agora é resistir ao retrocesso.

Surpreendido no começo, o poder aposta no controle da rebelião e no retrocesso. Quer nomear lideranças para poder capturá-las. Lança manobras diversionistas, como pactos, constituinte e plebiscito. E executa a operação mais cruel e covarde: mandar a conta da rebelião para o povo na forma de inflação.

Depois de dez anos de governança ruim, de corrupção generalizada e de privilégios bilionários por conta do Tesouro, dilapidando a estabilidade econômica conquistada pela sociedade, o governo insinua agora que a inflação é o preço a pagar para reduzir tarifas e humanizar os serviços públicos.

Querem usar a rebelião como desculpa para as dificuldades econômicas que produziram. Que tratem de roubar menos, de cortar privilégios e de governar sem desperdícios. Este é o corte de gastos que têm de fazer. É assim que se controla o déficit público e se combate a inflação sem mandar a conta para o povo.

Altamir Tojal

Sequestro da democracia?

Reprodução / Fonte: http://nobrefarsa.blogspot.com.brFoi uma vitória do povo? Foi uma vitória do Movimento Passe Livre? Do vandalismo? Terá sido do PT, cujo presidente, Rui Falcão, convocou seus militantes a participar das passeatas de ontem? Se a oposição nas ruas e a situação nos gabinetes ganharam, que protesto era esse? É possível ser governo e oposição simultaneamente? O PT é apartidário?

Se a queda das tarifas virá com queda em investimentos nos transportes – como disse o governador tucano Geraldo Alckmin, apontando que o bode já está confortavelmente instalado na sala –, foi uma vitória do povo? Se o vandalismo foi crucial para atemorizar os governantes a ponto de rasgarem planilhas e empurrarem a conta mais para frente, por que os líderes do MPL tentam agora se afastar dele, identificando quem protestava e quem não?

Outra: se o MPL defende o povo, como seus líderes conseguem dizer tão descaradamente que movimentos sociais não são obrigados a pensar como e onde os governos devem achar o dinheiro que faltará com a redução da tarifa? O repasse dos custos e a falta de melhorias não prejudicam o mesmo povo que defendem?

É uma Copa de Puristas, cada um mais puro em sua teoria e mais avesso à prática – ou melhor, à realidade – e cada um invocando para si a tarefa de ser o melhor intérprete da voz desse deus chamado povo – que, sim, tem todo o direito de protestar sobre suas insatisfações. E sim, foi por isso que tanta gente de esquerda e de direita aproveitou os protestos para dizer o que estava entalado na garganta.

Só não apareceu quem entenda esses clamores e quem desonere o povo inteligentemente.

E sim, há um cenário de imensa desilusão da democracia como regime mediador do bem-estar social. A causa é vazio ideológico dos partidos. O resultado é que os portadores de ideologia se recusam a ser vistos e agir como partidos, em nome da pureza ideológica e metodológica. Essa desilusão leva ao autoritarismo das massas autodeterminadas a saciar desejos sem mediadores, por considerarem que estes só agem em nome de seus próprios interesses e não representam ninguém.

Costuma ser o cenário perfeito para uma porrada de coisas terríveis ao longo da história – Collor? 1964? Chávez? Hitler? Escolha o seu. Governos não devem se curvar às massas, e os partidos não deveriam ser só casas de câmbio. Como desistiram de ser reservatórios representativos de ideias e gentes, o povo percebeu que há algo de fundamentalmente errado no que chamamos democracia.

Todas essas passeatas são um alerta. A persistir tanta surdez, o próximo passo é o sequestro da democracia.

Márvio dos Anjos

#vaidarmerda

Foto: Marcio CavalcantiAqui em casa, às vezes, o bicho pega. Eu e Mariana discordamos politicamente em 85, 90% do tempo. Nem por isso se perde o respeito ou se tenta impor ao outro. Sabe aquele papo de democracia, respeito etc? Praticamos.

IMG_5906 cópiaA moça disse que iria à manifestação de hoje. E acendeu o alerta, afinal o pau anda cantando e quando explode, a merda espalha. E Deus sabe para quem sobra o que.

IMG_5908 cópia 2Aproveitei que precisava praticar, fazer fotos novas, e resolvi ir junto. Como se minha presença a pudesse proteger de verdade… Mas vá, que é preciso ter fé.

IMG_5909 cópia 2Acabou que me dei mais ao trabalho de observar e ouvir a turma ao redor do que propriamente fotografar. E acabei chegando em casa com muito mais dúvidas e medos sobre o que anda acontecendo.

IMG_5910 cópia 2A primeira coisa que se percebe é que está todo mundo protestando, cada um com seu cada qual, sem direções, sem foco, sem muita busca por coisas práticas. Os cartazes e gritos mais ouvidos falam sobre generalidades e problemas sistêmicos, como melhor saúde, educação e segurança. Temas sobre os quais não há ações práticas de efeitos imediatos. E, sinceramente, creio que se continuar assim toda essa bagunça tende a perder fôlego.

IMG_5915 cópia 2“Juntos podemos!” Podemos o que? O que é que se quer, afinal? Derrubar o governo? Se sim, é melhor assumir isso logo. Ou então é bom achar coisas tangíveis sobre as quais gritar. De qualquer maneira, é bom deixar registrado que sim, a “festa” é bela. Há de tudo e todos, e isso é fabuloso. Sim, é bom ver e sentir o povo na rua.

IMG_5933 cópia 2Também sabemos que o pau anda cantando a plenos pulmões. E é claro que há radicais e vândalos presentes (como há bandidos se aproveitando da situação). Mas o que me deixou aporrinhado foi ver (e ouvir) de perto como há gente estranha no meio do povo, infiltrados mesmo. É nítido e fácil de identificar, basta ficar com olhos e ouvidos atentos. Perto de nós, hoje, passaram alguns grupos estranhíssimos. Especialmente uma dupla que minha moça ouviu falar claramente: “é por ali que vamos simular a confusão?”

IMG_5952 cópia 2E é aí que surge a segunda questão básica. Levando-se em conta que vivemos uma crise clara de comando, político e moral, no país, a quem interessa a violência? É, estou falando de manutenção do poder.

IMG_5954 cópia 2A outra e última é a seguinte: que porra de imprensa é essa que existe hoje no país, oficialista em todos os níveis? No Rio, por exemplo, a noite terminou com muita gente sitiada em vários pontos da cidade e ninguém falou nada. À tarde, em vários bairros (principalmente na zona norte), fechou-se tal cerco que impediu boa parte da população de se deslocar para o Centro, para a manifestação. Noite e madrugada adentro, em Laranjeiras, a PM jogou bombas em portarias de muitos edifícios por conta de gente que tentava se refugiar. E daí pra pior.

IMG_5962 cópia 2Depois, quando a turma conseguir alcançar o tal “controle social da mídia”, não reclamem.

IMG_5966 cópia 3Enfim, hoje foram mais de 100 cidades com o povo na rua. Ainda que não em guerra, já não dá mais pra esconder que o país está conflagrado. A continuar nesse ritmo, o que será que pode acontecer? Será que alcançaremos o cúmulo da ironia, com terroristas e torturados que lutaram contra as forças armadas colocando as forças armadas nas ruas?

IMG_5983 cópia 2Gostaria muito de ver alguém lúcido o suficiente que fosse capaz de nos dizer quanto longe estamos disso. Basicamente, meu sentimento é que estamos a um pentelhésimo do #deumerda.

IMG_5972 cópia 2

Curiosidades bolivarianas

Josef Stalin, Hugo Chávez e Símón BolivarAgora que o cara está oficialmente morto, as análises a seu respeito, entre a favor, contra ou muito pelo contrário, estão por toda a parte. É curioso perceber, por exemplo, que os que falam a favor são os mesmos que defendem Fidel e agridem – com pedras ou palavras – uma blogueira que é a favor da liberdade de expressão.

É curioso, também, que a morte do moço tenha sido anunciada justamente na mesma data de morte de Stalin, outro grande democrata. Tenho certeza que foi apenas coincidência, mas é que em tempos de teorias da conspiração, em que até um câncer é culpa de um governo inimigo, não custa nada lembrar.

Mas vejam que curiosos são os argumentos de quem defendia Chávez: nunca fugiu de eleição, que nunca foi contra a constituição, que não se vingou dos adversários. E também já corre que sua herança política é eterna, de relevância histórica e tal.

Os que fazem esses elogios, claro, esquecem que sua primeira tentativa de chegar ao poder foi com um golpe militar, que fracassou. É verdade que foi eleito. Quatro vezes, mas sempre sob suspeição de fraudes, com a liberdade de imprensa inexistente e inúmeros veículos fechados, oposição sufocada, rolo compressor sobre os tribunais e presídios lotados de presos políticos. Também não lembram que mudou a constituição ao seu bel prazer, justamente para garantir suas eleições (lembrem-se que disse mais de uma vez que pretendia liderar a Venezuela até 2031).

Em sua democracia muito torta, encampou inúmeras empresas na mão de ferro. E apesar de se aproveitar dos bons preços do petróleo, sua única riqueza relevante, não chegou nem perto de instalar a propagada igualdade, além de fazer a população encarar racionamentos, de energia a água, passando até por alimentos.

Outra curiosidade foi a colocação de Dilma sobre Chávez, dizendo que morreu um amigo do Brasil. Hummm… É claro que manifestações oficiais, principalmente de chefes de governo, é algo sempre delicado. Mas nossa presidenta não precisava ter exagerado. Que o diga a Petrobras, obrigada a lidar com um calote gigantesco na construção da refinaria do nordeste.

Não, não comemoro a morte do sujeito. Apesar de ser algo do que não adianta fugir, não fico torcendo para esse ou aquele morra logo, seja de morte morrida ou morte matada. E é claro que, independente da política, um ser humano foi embora e sua família merece todo o respeito e solidariedade em um momento em que é impossível não sofrer. Mas também não dá pra separar, em casos assim, o homem do mito.

É quase certo que a Venezuela vá passar por muitas dificuldades nos próximos anos, é natural que haja muitos conflitos e disputas pelo poder protagonizadas pelos herdeiros políticos. Mas com a saída de Chávez do cenário há a chance do país se reconstruir. De verdade, institucionalmente.

Nos próximos dias, veremos imagens e mais imagens das ruas venezuelanas tomadas pelas pessoas que apoiavam Chávez, é provável que seu grupo ainda seja eleito no pleito que deve ser convocado para daqui a 30 dias. Mas a longo prazo, não devem se manter. A ver.

•••

Uma última curiosidade. Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar y Palácios, um dos libertadores da América, foi a inspiração de Chávez para o que ele chamava de Bolivarianismo e nem ele conseguia explicar de verdade o que era. Não é mesmo curioso que um sujeito que chega a ser referido por vários historiadores como o George Washington da América do Sul, justamente por ser um democrata, tenha seu nome e imagem usados por um governo nada democrático?

Como se vê, não é mesmo por acaso que muita gente ainda diz que a América do Sul é um continente sui generis. Têm mesmo razão…

O metrô e a virtude

Não é todo domingo que consigo ler jornal. Na verdade, é algo cada vez mais raro hoje, infelizmente. Ontem, por sorte, foi um dia de leitura. E no Globo, há duas colunas que merecem degustação e multiplicação.

A primeira é bem carioca. O texto de Artur Xexéo sobre o nosso metrô, o que e como era, o que se tornou.

Artur Xexéo / DivulgaçãoQuem está chegando agora pode pensar que foi sempre assim. Não é verdade. Durante quase 20 anos, a extensão de nosso metrô cresceu e a limpeza e eficiência continuaram funcionando. O caos se implantou a partir da concessão para uma empresa privada em 1998. O carioca nunca foi conhecido por cuidar de sua cidade. O metrô era uma exceção. Tornou-se exemplo de civilidade. Ninguém tinha coragem de jogar um papel de bala no chão. Com ele, aprendemos que, quando o serviço é bom, o usuário cuida e respeita. Hoje, o usuário trata mal o metrô. A culpa é do serviço. Ninguém gosta de pagar caro — e o metrô é caro à beça — por um produto medíocre.

O segundo é de João Ubaldo, o Ribeiro. Com a ironia que lhe é peculiar, disserta sobre o espírito público de nossos eleitos. Enfim, leitura obrigatória nesse começo de semana.

João Ubaldo Ribeiro / DivulgaçãoNo Brasil, os políticos são virtuosos, ou procuram ser virtuosos? Engabelados pelo noticiário leviano, venal, deturpador, difamador, caluniador, injurioso e irresponsável de praticamente todos os veículos de comunicação, muitos de nós diriam que não. Afinal, todos os dias mais um capadócio público é exposto, mais uma quadrilha é desmantelada, mais um ladrão se revela e um incompetente se evidencia. Solerte imprensa, antro de patifes, súcia de mentirosos. Pois basta livrar nossa visão dessa fumaça maledicente para logo vermos que a realidade desmente os detratores. Que a política e o poder demandam extraordinários sacrifícios é afirmação universal, postulado nunca discutido. Entretanto, nossos políticos jamais querem deixar o poder ou abandonar cargos de influência, estão dispostos a arrostar indefinidamente esses sacrifícios penosíssimos. Negar que isso é virtude, só com muita má vontade.