Na primeira vez que fui a um autódromo, tinha 8 ou 9 anos, em 1981 ou 82. Jacarepaguá. Fui com meu pai, um garoto da escola que já não lembro o nome e seu pai. Chegamos de manhã cedo e a programação tinha cinco ou seis corridas. A última delas, a sensacional Opala Stock Car.
Depois desse dia, foram muitos e muitos anos sem pisar em qualquer autódromo, até a volta ao mesmo Jacarepaguá na primeira corrida da Fórmula Indy no Brasil. A partir daí, voltei a freqüentar (se é que 2 ou 3 vezes ao ano podem ser chamadas de ‘freqüência’) corridas de várias categorias e conheci os circuitos de Curitiba e Interlagos.
Com o anúncio de que Emerson e Piquet correriam na GT3 Brasil, me animei a ver uma das corridas. Nélson até hoje não estreou, mas resolvi insistir. Combinamos (eu, Zé Luis e Rodrigo) de irmos a São Paulo. Além dos super-carros (tem hífen?), Copa Clio e F3 Sul-Americana, que nunca tinha visto. Perfeito.
As categorias têm rodadas duplas aos sábados e domingos e optamos pelo domingo. Como a programação começava às 8 da manhã, teríamos que sair do Rio de madrugada, para chegar a tempo.
Cocares
Antes de contar nossa ‘aventura’, é preciso abrir parênteses. Numa analogia às estrelas com que são classificados hotéis no mundo inteiro, como poderiam medir os programas de índio? Em cocares! Pois então…
Deveria ter desconfiado que as coisas não seriam exatamente como imaginamos logo no início. Alugamos um carro e fiz a reserva com uma semana de antecedência para não ter problemas. Pedi um Fox, carro 1.6 para agüentar bem a serra, com bom espaço interno (meço 1,90) e diária relativamente barata.
Na hora de retirar o bendito, a surpresa: não havia nenhum Fox disponível e o outro veículo oferecido na mesma categoria foi um Prisma 1.4. Quando reclamei, o rapaz que me entregou o carro disse que poderia trocá-lo em qualquer filial. Eram quase 22h. Quando falei que tinha feito reserva uma semana antes e pegaria a estrada às duas da matina, ele só pôde fazer cara de bunda… Sobre o motor, poucos problemas pois seríamos três sem bagagem. Mas acabei dirigindo quase mil quilômetros com a cabeça batendo no teto e os joelhos no volante. Parabéns à Localiza pela grande demonstração de respeito ao cliente e meus sinceros agradecimentos pelas dores no corpo.
Dutra
Eu e Zé saímos do Rio e pegamos o Rodrigo na rodoviária de Sampa, que partiu de BH. Junto com o carro, alugamos um GPS para andar em São Paulo, chegar e sair de Interlagos. Desperdício. Rodrigo, um mineiro que vive no Rio, é o próprio GPS de São Paulo, no que diz respeito aos caminhos que levam a Interlagos.
Partimos às duas da manhã e a programação foi perfeitamente cumprida. Sem trânsito e duas paradas rápidas, encontramos Rodrigo às 7h15 e fomos direto para o autódromo.
O primeiro susto foi o estacionamento. R$ 30 e, depois, ainda descobrimos que foi barato. Frio da porra na terra da garoa (ao menos para cariocas) e, ao invés de entrarmos logo, comemos um belíssimo e saudável sanduíche de lingüiça com Coca-Cola a título de café da manhã. Grande decisão, porque dentro do autódromo…
Ingressos
Durante mais de um mês, tentamos – de várias maneiras – conseguir credenciais para visitar os boxes. Afinal, se estávamos ali pela GT3, queríamos ver os carros de perto, se possível sem as tampas dos motores. Não conseguimos e resolvemos ir assim mesmo, de arquibancada (R$ 15). Havia um ingresso que dava direito a visitar os boxes, mas com preço absurdo: R$ 150. Gostaria mesmo de saber quantos foram vendidos na bilheteria, fora os dos patrocinadores e suas ações de marketing com clientes.
Mesmo com sol, o vento não deixou a gente tirar os casacos
Perdemos o aquecimento da Clio mas entramos a tempo de ver a GT3 acordando. Sem compromisso e ritmo de corrida, é possível prestar atenção em alguns detalhes interessantes. O mais óbvio, a diferença entre os motores, com Lamborghinis quase em silêncio (para o que se espera de um carro de corrida, claro) e os Ford GT com o ronco ensurdecedor.
Ficamos no começo da reta, em frente ao início da faixa que delimita a entrada dos boxes, de onde podíamos ver o final da reta oposta, quase todo o miolo, junção e a reta, até a freada para o S do Senna. Não havia lugar melhor. Porque, para quem não conhece autódromos, é preciso explicar que em nenhum, em qualquer lugar do mundo, é possível enxergar toda a pista. O que chegava mais próximo disso era Jacarepaguá, aquele lá do início da história e que César Maia e Carlos Nuzman destruíram.
Corridas
A F3 começou às 9h30. Apesar do sol, a neblina denuncia o frio
A primeira corrida do dia foi da F3, com apenas 14 carros (chassis Dallara e motor Berta). Corrida razoável, com disputas interessantes, mas – depois de toques e abandonos – terminada por apenas 10 pilotos. Além disso, sul-americana apenas no nome, pois só há brasileiros na pista. Mas quem quer acompanhar a temporada, tem que se contentar com a transmissão via internet (pela RaceTV, não sei se ao vivo) ou os VTs no Speed Channel (canal 97, Net Rio).
A segunda prova foi a melhor do dia. Não esperava muito da Copa Clio, mas é impressionante como é divertida. 24 carros no grid, pista cheia e com muitas disputas e, ao contrário do que estamos acostumados a ver na Stock Car, muito esforço de todos para que não haja toques. É claro que há acidentes e batidas, mas as brigas por posições são impressionantemente limpas. Palmas para os pilotos.
Na largada da Clio é possível ver que o carro de segurança comanda os pelotão até o último momento, para que nada dê errado. Mais um exemplo para a Stock Car.
Um detalhe que ajuda a melhorar a corrida é que, depois de um terço de prova, o safety car entra para reagrupar os pilotos. Os cinco primeiros nesse momento recebem pontos de bonificação e, depois que recomeça, novas disputas. Algo que vale a pena acompanhar durante todo o ano (a ESPN Brasil transmite).
Público
Verdade seja dita, para o que estamos acostumados a ver nos autódromos brasileiros, até que tinha bastante público presente. E é preciso lembrar que Stock e Truck, que estão sempre lotados (muito em função da farta distribuição de convites pelos patrocinadores), ao contrário de ser regra em corridas no Brasil, são enormes exceções.
A arquibancada quase vazia é a regra do automobilismo brasileiro
Mas não dá para esperar muito público mesmo. Pouquíssima publicidade, mesmo na cidade onde acontece o evento. E nenhuma estrutura. Se não tivéssemos comido aquele sanduíche, teríamos ficado o dia inteiro à míngua. Dentro do autódromo, apenas uma barraquinha de comes e bebes (pouquíssima variedade) e, claro, uma fila absurda.
Além disso, apesar de grandes marcas envolvidas, nada para o público. Nenhum estande onde se pudesse comprar lembranças de qualquer tipo. Em resumo, nenhuma atração para o público nos intervalos entre as provas. O meu sentimento é que a organização se incomoda com a presença de torcedores e fazem de tudo para que ninguém volte.
Os carros
Andreas Matheis tocou Walter Salles depois de ser ultrapassado. Dick Vigarista?
Enfim, a corrida que nos levou a Interlagos. Apenas 14 carros na pista, mas algo que relevamos pois são máquinas muito caras em apenas seu segundo ano no Brasil. E aí é que está o problema: grana. Nitidamente, todos pensam 30 vezes antes colocar o carro em uma disputa de verdade e a corrida acaba sendo meio morna, com raríssimas ultrapassagens. Além disso, o trabalho de equalização dos carros, feito na Europa e antes de começar o campeonato, falhou e os dois Ford GT sobram na turma. E sem fazer qualquer esforço.
No final da corrida, não vimos a única disputa real e que acabou decidindo a prova: os dois Ford se pegaram no S do Senna e acabaram se tocando. Um ficou fora, o outro se arrastou até terminar em quinto. Em resumo, os carros são lindos mas corridas e campeonato são muito sem graça. Muita coisa pode melhorar, se o grid encher e os carros forem realmente equilibrados. Por enquanto, resta torcer para 2009 ser melhor que este ano. E quem quiser ver de casa, ao vivo pela RaceTV ou os VTs na faixa Grid Motor do SporTV.
The End
Do autódromo, direto pra estrada. Almoço no caminho, muito trânsito, cinco pedágios e algumas obras depois, conseguimos entregar o carro às nove da noite e, finalmente, descansar. A conclusão é que corrida é muito bom do sofá (a não ser que os organizadores sejam realmente organizadores) e, talvez, uma vez por ano, desde que haja corridas no Rio. Viajar de novo, só pra isso, nem pensar.
E, afinal, gostaria que me ajudassem: quase 12 horas de estrada, 10 pedágios, arquiba sem comida e bebida, corridas sem graça e um frio da porra. Quantos cocares valem esse programa?
PS 1: é claro que, pra quem gosta, ver e ouvir os carros ao vivo, discutir automobilismo entre amigos que realmente gostam e entendem e (mal ou bem) ter história pra contar, vale muito.
PS 2: além dos três originais, Marcos Lobo foi nos encontrar na pista, o que foi excelente. Matar a saudade de um amigo que, pela distância, é raro encontrar, não tem preço. Beijo na Zélia e nas crianças.
PS 3: é terrível chegar a Interlagos, ver os restos do circuito original e não ficar triste. Não dá para entender como foi possível atualizar o autódromo sem manter o circuito original como uma pista alternativa, por exemplo, para provas longas. Vale lembrar que um dos consultores técnicos do projeto foi Ayrton Senna.
PS 4: Que inveja… São Paulo ainda tem autódromo.
PS 5 (18h34): Fui corrigido nos comentários sobre os motores da F3. Esse é outro detalhe: ao chegar no autódromo, não existe qualquer tipo de informação sobre o que vai acontecer. Ao comprar ingresso, não deveríamos receber um folder com informações sobre as categorias, pilotos etc.?