Tive infância e adolescência das mais agradáveis, vividas entre o final dos anos 70 e o início dos 90. Joguei bola na rua, bolinha de gude, soltei pipa e papagaio, futebol de botão, andava de bicicleta em volta do quarteirão, joguei Atari e Odissey, Detetive e War. Freqüentei os cines América, Carioca e Art Tijuca, comprando ingresso antes das 3 da tarde para pagar apenas 10 dinheiros da época (sinceramente, não lembro se era Cruzeiro ou Cruzado, novo ou velho), contra os 20 do horário normal. A economia era gasta no Bob’s.
Rádio Fluminense (a maldita), Paralamas do Sucesso, Mamute, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, Robin Hood, Os Titãs do Iê-iê-iê (assim que escreve?), Rock n’ Rio, Blitz, Alternativa Nativa, Barão Vermelho (com e sem Cazuza), Hollywood Rock etc etc etc.
O urso Misha chorando em Moscou, Carl Lewis e Joaquim Cruz, Bernard e sua jornada nas estrelas no Maracanazinho, Piquet tricampeão, tragédia do Sarriá, Magic Johnson e Larry Bird.
E o Maracanã.
Fui apresentado ao maior do mundo pelo meu pai. Tricolor. Não lembro quantos anos eu tinha exatamente, seis ou sete, quando fui ao estádio pela primeira vez. O Flamengo ainda não era campeão brasileiro e, num tempo em que quase todos os grandes clubes tinham grandes times, não eram raros os jogos com mais de cem mil pessoas. E meu pai se preocupou em começar a me levar em jogos ‘menores’, com pouco apelo de público, para que eu me acostumasse com o negócio. Na minha primeira visita, América 3, Inter 0.
Aos poucos, foi me levando aos jogos maiores. E como um bom pai, tentou me fazer torcer pelo seu time. E se é verdade que há fotos em que estou vestido com camisa do Fluminense ao lado da minha Monareta (quem não lembra, descubra no Google), não lembro de grandes reclamações quando cheguei em casa e disse que meu time, a partir de então, era o Flamengo.
Pelo contrário. Não foram poucas as vezes que me levou ao Maracanã para ver os jogos do Mengão. Como não foram poucas as vezes que lhe acompanhei aos jogos do Fluminense. E, assim, aprendi que ir ao Maracanã era bom, mesmo que não fosse para torcer pelo meu time.
E entre tantas e tantas lembranças, duas são guardadas com carinho especial: numa quarta à noite, um jogo que não valia muita coisa, em um início de campeonato, fomos parar na arquibancada para ver o Flamengo ganhar do Vasco por 2 a 0, seguindo sua lógica de que devia me acostumar com os grandes jogos aos poucos. Foi um dos primeiros clássicos que assisti.
Em 1984, Flamengo e Fluminense estavam nas quartas de final do Brasileirão e poderiam se enfrentar na semifinal. Bastava que um e outro passassem por Corinthians e Coritiba, respectivamente. Sistema mata-mata, o primeiro jogo do Fla foi no Maracanã e, da arquibancada à esquerda das cabines de rádio, vimos a vitória por 2 a 0. Em Curitiba, o Flu empatou em 2 a 2. Tudo bem encaminhado.
No domingo, início de maio, retribuí a companhia e voltamos para o Maracanã. Enquanto víamos o Fluminense construir sua goleada de cinco a zero, acompanhávamos o jogo do Morumbi pelo placar eletrônico. Quando o Corinthians fez 2 a 0, “calma que ainda falta muito, só precisa de um gol”. Que saiu e “não falei que ia dar tudo certo?”. Enfim, o jogo em São Paulo terminou 4 a 1 e, ao perder a chance de ver o Flamengo campeão brasileiro da arquibancada pela primeira vez, lembro da sua mão na minha cabeça e um “não chora, ano que vem tem outro campeonato” ou algo parecido.
No último domingo, fui ao Maracanã e lembrei do meu pai. Que, como eu, não tem mais paciência graças às filas, violência e ao futebol chinfrim que se assiste com uma freqüência enervante. Lembrei do meu pai ao ver a enorme quantidade de pais e filhos que foram ao “maior e mais bonito estádio do mundo”, em um dia que o futebol foi uma festa, dia de arquibancada cheia mas sem confusão, como quando íamos juntos. Dia de homenagem ao Washington, metade do Casal 20 que deu ao Flu aquele brasileiro de 84. Dia de Zico, Junior, Andrade, Adílio, Nunes e Tita, que formaram no maior time de todos os tempos e me fizeram apaixonar pela camisa vermelha e preta.
Lembrei do meu pai que, sem eu me dar conta, usou o Maracanã para minha primeira aula sobre democracia e uma das muitas sobre respeito, ao comemorar um gol abraçado a quem está ao seu lado não importando quem é, ao bater palmas para um lindo lance não importando a camisa que se veste.
Lembrei do meu pai, porque foi um dia como aqueles em que íamos ao Maracanã mesmo que nossos times não estivessem jogando, porque valia a pena estar juntos para ver futebol. Porque futebol bem jogado é bom de ver, não importando a idade de quem assiste ou, como no domingo, de quem joga.