Hora da escola (6)

Uma escola diferente não se faz apenas dentro de sala de aula, mas em todas as suas dimensões. Não adianta, por exemplo, discursos lindos ou projetos político-pedagógicos que, bem escritos em seus sites, não passam de publicidade ruim se não são colocados em prática em todos os níveis.

Felizmente há cada vez mais escolas tentando praticar essas “novidades”. É o caso da escola das minhas mocinhas, a Oga Mitá. Ela faz isso há 38 anos. Só.

Não, isso não quer dizer que seja perfeita. Isso não existe. Mas quando o discurso é colocado em prática, as coisas realmente acontecem. É o caso do reajuste zero, pelo segundo ano seguido. Dá pra imaginar como seria aguentar as mensalidades, mesmo com algum desconto, se tivéssemos acompanhado a inflação de mais ou menos 20% nesses dois anos?

Já contei em outros posts (a série completa está aqui) como funcionam as coisas por lá, a comissão de planejamento, as assembleias, a participação dos pais em todos os temas da escola. Porque a educação dos nossos filhos não pode se restringir a entrega-los e busca-los no portão. Precisamos nos envolver. E precisamos ser parceiros, trabalhar juntos. E muitas vezes é muito trabalho. Mas vale a pena, é mais um pedacinho do legado que vamos deixar para nossas crianças.

E a experiência mostra que a relação não pode ser Pais/Responsáveis contra a escola, mas Pais/Responsáveis COM a escola. Se a instituição em que seus filhos estudam não permitem isso, será que não está na hora de buscar alternativas? Pense a respeito.

Andamos falando tanto de mobilização, de democracia… Que tal praticar?

Hora da escola

O texto abaixo foi publicado originalmente no dia 20 de novembro de 2010. Mas até hoje ele é disparado o post mais visitado, mas lido e comentado do blog, com mais de 5 mil visitantes únicos. E é por isso que resolvi republicá-lo, não por acaso na época de busca por escolas, de matrículas e rematrículas.

Na época procurávamos a primeira escola da Helena. Hoje, ela e Isabel seguem felizes suas vidas escolares. E é bem fácil deduzir que a Oga Mitá foi a escolhida.

Esse texto tem quatro filhotes e vocês podem encontrar todos eles clicando aqui e espero que sejam todos úteis.

E aos que decidirem visitar a escola, tenham a certeza que – além de serem muito bem recebidos – vão se surpreender. Basta estarem dispostos. E não esqueçam de dizer como chegaram à escola, que foi uma indicação do Gustavo, pai da Helena e da Isabel. A casa agradece de joelhos  ;).

Sabe aquela frase sobre o futuro de nossas crianças que já virou clichê: “não importa que mundo vamos deixar para nossas crianças, mas que crianças vamos deixar para o mundo”. Pois é, foi uma semana bem interessante essa que passou. Já peço desculpas antecipadas pelo texto longo que escrevi, mas achei que dividir essas experiências seria importante.

Já há alguns meses desde que a Mari começou a visitar escolas próximas de casa em busca de um bom lugar em que Helena comece sua vida acadêmica. E nesta semana fizemos um pequeno roteiro juntos. Como estou muito longe de ser um especialista em educação, minhas impressões refletem – simplesmente – o que percebi como pai em função do que gostaria para minha filha.

Construção

Foram cinco visitas nos últimos dias, teremos mais uma na segunda-feira. E em cada uma delas, olhos e ouvidos atentos às qualidades e defeitos. Como quando o ano letivo começar, em fevereiro, ela terá um ano e quatro meses, além de entender como é o processo pedagógico de cada uma, muita atenção às pessoas que possivelmente lidarão com nossa menina e com a estrutura oferecida, instalações etc.

A primeira visita foi à Oga Mitá. E algumas coisas interessantes chamaram muito a atenção. O primeiro ambiente, logo após passarmos o portão, é a biblioteca. A partir daí, não deveria ter sido surpresa encontrar, no sofá próximo à secretaria, uma menina confortavelmente instalada e concentrada no livro em suas mãos. Em horário de aula! Ao mesmo tempo, na pequena quadra, meia dúzia de quatro ou cinco crianças jogavam bola. A essa altura, Helena já andava pra lá e pra cá. E quando fomos fazer a visita propriamente dita e conversar com a coordenadora, ela já tinha se enturmado com as crianças de sua idade e ficou junto com a turma. Hummm…, foi o que pensei.

A linha de atuação da escola é baseada no construtivismo, o que – entre muitas outras coisas – incentiva a autonomia das crianças.

Hummm, continuei ruminando, quer dizer que é possível incentivar minha filha a pensar para que serve a tabuada ao invés de simplesmente fazê-la decorar que 7 X 9 = 63? É possível, mais do que ensinar, incentivar minha filha a decidir o que é certo para ela? Hummm…

Muitas questões

A segunda visita foi à Meimei, outra escola muito bem conceituada e que, em tese, também segue uma linha progressista. Fomos muito bem recebidos por todos e Helena, rapidamente, já estava mais uma vez entre as crianças. A estrutura da escola é bem legal, todas as pessoas muito simpáticas e tal, crianças nitidamente muito bem educadas, mas sabe aquela sensação de que algo não bate?

O que me incomodou foi um certo artificialismo, presente principalmente no discurso da coordenadora que nos recebeu. É que para ela tudo era uma questão. A questão do leve e pesado, do doce e salgado, do quente e do frio etc etc etc. Eram tantas questões e nenhuma resposta que fiquei ensimesmado. Alguém poderia dizer que o problema, então, não era a escola mas aquela pessoa. Mas, como lembrou a Mari, quem colocou aquela moça ali?

Três sapos

A sexta-feira foi bem movimentada, com visitas a três escolas. A primeira foi à J’Alevi. Mari já tinha visitado essa antes e, de certa forma, gostado. Na verdade, uma pequena escolinha tradicional, onde tudo funciona bem, profissionais simpáticos, crianças sorridentes e bem educadas. E bem perto de casa, pra ir andando. Mas aí, quem implicou fui eu. Um sobradinho acanhado, onde tudo é apertadinho e cheio de escadas. Pra mim, coisas que não combinam com crianças.

Logo depois, andamos mais 50 metros e chegamos à Sindicato da Criança. Fomos muito bem recebidos por uma das sócias da escola. A visita não ia mal não, muito pelo contrário, estava gostando mesmo do que via. Tudo muito simples, mas tudo bem feito e resolvido, até que entramos em uma sala e… “Haviam (sic) três sapos”.

A frase estava lá na parede, em um quadro em que as crianças, aparentemente, estavam aprendendo as primeiras noções de matemática. Depois dessa, precisa dizer mais alguma coisa?

Grande empresa

A última visita foi ao Mopi. É bem possível que, lá em 1973, quando a professora Regina Canedo fundou a escola, sua proposta fosse realmente brilhante. E se é inegável que a escola é conceituadíssima e acumula muitos bons resultados em sua história, minha impressão é de que – em algum momento de seus 37 anos – algo saiu dos trilhos.

Tudo é superlativo, o gigantismo é característica que grita aos olhos de quem circula pela escola. À primeira vista, a estrutura é sensacional e apesar de ser uma “escola vertical”, há espaço pra tudo. Mas como em tudo o que é grande demais, é nítida a impessoalidade no lidar com as pessoas. Sabe a diferença entre viajar e ficar numa pousada ou no Hilton? Foi o que senti.

Listo alguns detalhes que chamaram nossa atenção, infelizmente, sempre negativamente. Das escolas que visitamos juntos, foi a única em que Helena não conseguiu interagir com outras crianças. Foi a única em que vimos crianças correndo pelos corredores estabanadamente, esbarrando nos outros e sequer se preocupando em olhar pra trás para ver se estava tudo bem (pedir desculpas, então, nem pensar). Foi a única em que, antes mesmo de avaliar o desenvolvimento de Helena, já fomos avisados que ela teria que repetir a série (maternal 1 ou algo assim) em função de sua idade (porque ela teria 1 ano e quatro meses e o certo seria um ano e seis). Não fomos apresentados e não vi biblioteca, simplesmente não sei se existe. Funciona como uma grande corporação, terceirizando serviços como a alimentação, aulas de laboratório de ciências, aulas de inglês e sei lá mais o quê. É a única que em todas as suas salas há instalado um quadro board (primeira vez que vi uma redundância bilíngüe), usando a tecnologia como grande bandeira mas esquecendo que ela deve ser ferramenta ao invés de princípio.

Por fim, além de não encontrar qualquer coisa positiva, ainda é a escola mais cara.

O que queremos?

Nos recusamos a participar da neurose que tem tomado conta de muitos e muitos pais de nossa geração e escolher a escola em que Helena entrará com menos de um ano e meio imaginando em como isso se refletirá em sua colocação no vestibular. Também não queremos uma grife.

Em compensação, fazemos questão de um ambiente que seja agradável a ela, em que ela se divirta e aprenda de maneira natural, em que seja tratada como gente e não como a criança número 9 da lista de chamada.

Ainda lembro de uma troca de cartas entre meu pai e uma professora de português na minha quinta série, sobre uma questão de prova. Não acho que esse distanciamento funcione, não quero passar por algo parecido. Procuramos uma escola à qual tenhamos acesso, em que participemos ativamente do processo de educação de nossa moça, como parceiros que devemos ser, ao invés de entregá-la e buscá-la nas horas marcadas e vocês que se virem.

Ainda não tomamos qualquer decisão, ainda há outras escolas para visitar e algum tempo para pensar. Mas, como vocês podem ver, eliminar opções tem sido bem fácil.

Hora da escola (4)

Foto: Gustavo SirelliQuem tem o hábito de visitar o cafofo, já sabe que sou desses que bate palmas pra escola das filhas, que abraçam a proposta e defendem os caminhos adotados. Mas nem tudo são flores, claro. Por exemplo, já houve discussão sobre a doação de livros para determinada organização, ação social embolada e embalada por proselitismo político.

Outra discordância sempre aparece nessa época do ano, final do primeiro semestre, hora de acender a fogueira das festas juninas. Ou, na visão pretensamente progressista e politicamente correta da escola, uma asséptica festa no campo.

Aqui, abro parênteses que se mostrarão úteis mais à frente. Ontem à noite, na abertura do programa Saia Justa do GNT (não sei se era reprise ou episódio do dia), o professor Sérgio Cortela disse duas coisas óbvias: “o estado brasileiro é laico mas não é ateu” (basta ler nossa constituição pra descobrir isso) e “ter religiosidade não é a mesma coisa que ter religião”. É o ululante, sei disso, mas quando dito por um catedrático como Cortela, ganha peso e (talvez) seja mais levado a sério. Sigamos pois.

2014 é o nosso terceiro ano na escola, e no primeiro ainda dei-me ao trabalho de levantar algumas bolas com a professora da Helena de então, a Camila. Depois desisti, sinceramente deu preguiça. E talvez tenha errado nisso, deveria ter insistido. Ora bolas, por que festa do campo e não festa junina? Por que não vestir as crianças como os matutos tradicionalmente representados em qualquer festa junina?

 Sacro

Foto: Gustavo SirelliO que é sagrado para você? Pra mim, um monte de coisas. Em termos de religião, sou católico apostólico baiano. Mas não é isso que vem ao caso. As festas juninas, sem esse nome, são bem anteriores à era cristã. Têm relação direta com o solstício de verão, na Europa, e a relação das sociedades de então com a terra e seus deuses. Era nessa época do ano, ali entre o que seriam os dias 22 e 25 de junho do nosso calendário juliano, que eram feitas oferendas e pedidos em busca de uma boa colheita.

Se não pode derrota-los, junte-se a eles. Foi assim que a Igreja Católica, sem conseguir frear a tradição, criou as datas em homenagem aos santos. Isso foi pelo século X. Daí que além da referência óbvia ao mês de junho, o termo junino também seja apontado por estudiosos como uma corruptela de joanino, posto que 24 de junho é dia de São João.

Curiosamente, ao chegarem por aqui, os portugueses – católicos fervorosos – encontraram entre os índios, celebrações realizadas na mesma época (por aqui, o solstício de inverno) e pelas mesmas razões: agradecimento aos deuses pelo sucesso obtido e oferendas e pedidos por uma nova boa colheita. E é por isso que, nas festas juninas brasileiras, pela convivência de costumes entre nativos e europeus, as comidas típicas das nossas festas tenham tanto milho.

Foto: Gustavo SirelliPara cada detalhe, é encontra-se uma explicação, todas elas ligadas às origens das festas. É assim com os balões (usados para avisar a comunidade do início das festas), as fogueiras (tradição pagã, para iluminar os caminhos dos deuses, e católica, pela lenda de que uma fogueira seria o modo de comunicação entre Maria e Isabel), o casamento (referência clara a Santo Antônio) e a pescaria (brincadeira em homenagem a São Pedro).

Sinceramente, não sei como a escola trata desses assuntos com os alunos do ensino fundamental em diante (ainda estou na educação infantil a acredito que tudo isso ainda está fora do espectro de compreensão dos pequenos). Mas seria absurdo negar a relação sagrada dos povos com a terra, tanto na Europa medieval e anterior, quanto entre os índios brasileiros. Também seria absurdo negar a relação sagrada (nesse caso, de origem católica) dos fiéis celebrando seus santos. Porque tudo isso é sagrado e – antes de religião – é história da formação do nosso povo.

O matuto

Foto: Gustavo SirelliQuando era criança, lá estava eu de calça jeans puída com remendos coloridos, camisa xadrez, chapéu de palha e um dente “faltando”. As meninas, de vestido de chita quase sempre floridos, maria-chiquinha e outros detalhes. E foi aqui que me peguei com a escola e sua festa do campo. Há um discurso que isso é uma visão deturpada do homem do campo, que não deve ser disseminada.

Oi? Ou não sabem história ou estão com preguiça de contextualizar o mundo para as crianças ou são mais realistas que o rei. Mais ou menos como tentar mudar a letra de “atirei o pau no gato”. Basicamente, se esse for o caso, tristemente reconheço uma visão boçal.

Pra começo de conversa, no início não eram todos que iam fantasiados às festas. Apenas aqueles que dançariam a quadrilha e tinham lá seus personagens: padre, noivo, noiva, pais do noivo, pais da noiva, madrinhas, padrinhos, delegado e sacristão. Esse é o significado geral do negócio que, apesar das regionalidades, se mantém.

Não sei vocês, mas já vivi algumas (muitas) festas juninas na roça. E eles adoram as quadrilhas e as fantasias, a carnavalização de si próprios, que sempre foi celebração e crítica simultâneas. Uma vez que “isolados” dos recursos das grandes cidades, não conseguem comprar roupas novas para as festas (por isso os remendos e calças pescando siri, e as camisas xadrez feitas com o tecido barato disponível) nem tem acesso a alguns serviços básicos, como saúde (e por isso um ou outro dente pintado de preto, como se não existisse).

Foto: Gustavo SirelliA evolução desse cenário foi uma espécie de glamourização dos figurinos, como se Joãozinho Trinta assumisse a produção, também com coreografias a cada ano mais elaboradas, para os grandes concursos de quadrilha.

Tudo isso pode parecer uma grande bobagem, “são só festas juninas”. Não acho, especialmente nesses nossos tempos pós-modernos, em que as crescentes cidades do interior e a expansão do agronegócio aproximam cada vez mais as experiências de quem vive no campo e na cidade. Porque fechar os olhos a essas tradições, tentar negar que isso existe e tem um significado muito forte, é fechar os olhos para a formação do povo brasileiro. É um jeito progressita-intelectualóide, em que se tentar igualar tudo e todos para não ferir suscetibilidades, quando na verdade deveríamos estar preocupado em resguardar tradições, nos esforçando para explica-las e, assim, usar o passado para entender nosso presente e pensar o bendito futuro.

Hora da escola (3)

Na escola das minhas filhas existe racismo. Também existe homofobia. E bullying. E roubos ou furtos, sei lá o nome correto quando alguém tira algo de alguém sem ninguém ver. Tudo isso entre outras coisas.

Isso é supreendente?

Não deveria ser. Porque se você tem filhos e eles estão na escola, lá também acontecem essas coisas. É, não adianta torcer o nariz não. Ou você acredita que, mesmo pagando caro ou muito caro, está livre do que acontece no mundo, que aquela sacrossanta instituição à qual confiou a educação de suas crianças é uma ilha da fantasia?

Caiu em si? Então, a pergunta seguinte é o x da questão: o que a escola dos seus filhos faz, como ela trata desses problemas?

Enquanto você pensa a respeito, vou aproveitar pra contar o que aconteceu na escola das minhas pequenas nos últimos meses, até ontem à noite. E o tema é racismo.

O fato

Pouco depois do início das aulas, um garoto do ensino fundamental começou a ser mal tratado pelos colegas. Começou com alguns e a coisa cresceu. O moleque foi chamado de mendigo e colocado nesse papel. Daí pra baixo. E pelo que sei, só não se chegou à violência física. Ele é negro. E tem um belo black power.

Por uma enorme inabilidade da escola no que diz respeito à comunicação, combinada com o sentido de urgência da família diretamente atingida, a coisa deu uma boa degringolada, a história correu a escola e houve certa (e não indevida) comoção. Também houve um erro de coordenação, admitido pelo próprio diretor da escola, em uma das muitas reuniões que aconteceram desde que tudo veio à tona.

É, foram muitas reuniões. Particulares, com as famílias envolvidas, e nas comissões da escola. Em que pese os tropeções, trancos e barrancos no início do processo e uma grande dose de cagaço (desculpem o termo, mas falo de um medo estranho e superlativo) ‘empresarial’ por medo de expor a instituição e até perder alunos, a escola não fugiu do assunto. E chegamos a ontem.

Envolvimento

Fórum de Pais e Professores. Tema: Racismo na Oga Mitá.

Já estava marcado há um mês ou quase. E eu sinceramente estava preocupado com o risco de tudo ser muito tempo perdido. De sair do foco, que é o problema ocorrido na escola e ver a discussão descambar para um tropel de opiniões desconexas ou cair na velha discussão racialista.

Sim, passamos perto disso. Entre duas acadêmicas convidadas para falar a respeito e meia dúzia de três ou quatro pais e mães militantes da causa negra, cheguei a pensar na possibilidade de abandonar o debate e chegar em casa mais cedo. Porque quando alguém sofre algo assim, não é a militância nem a teoria nem o sindicalismo de causas que vai resolver o problema. Especialmente quando se trata de uma criança.

Mas no todo, o fato é que o debate foi muito, muito bom, com uma troca de experiências riquíssimas (em que pese triste às vezes) e o surgimento de várias ideias (das piores às melhores) para não deixar o assunto morrer, muito pelo contrário.

Foram muitas propostas de ações para as crianças e para os pais das crianças. E isso é algo importante, porque apesar da sala muito cheia, nem todo mundo foi (claro), nem todo mundo tomou conhecimento do problema (sim, há gente que vive em outra dimensão).

De visitas a quilombos com as crianças a atividades inspiradas no documentário Olhos Azuis, de Jane Elliot. Mais e mais encontros e reuniões e discussões. Porque infelizmente o assunto não acaba, não vai acabar.

#SomosTodosDiferentes

Felizmente somos todos humanos (com trocadilho e sem hashtag). Felizmente somos todos diferentes em infinitos aspectos. Brancos e negros, cabelos lisos e toin-oin-oins, magros e gordos, princesocas ou bichos-grilos etc etc etc etc.

Estamos falando de crianças, de seres humanos que, em seus vários estágios de desenvolvimento, estão descobrindo e constatando as diferenças, todas elas. Simples assim. Mas, no final das contas, depende de nós, da forma como valorizamos e nos relacionamos com a existência de todas essas diferenças, a forma como nossas crianças lidam e lidarão com o mundo de diferenças ao seu redor.

Escola dos sonhos?

Por que contei essa história e escrevi esse texto monstruoso? Porque acho importante, ora bolas.

A escola das minhas moças é a escola dos sonhos? Claro que não, isso não existe. E ando até insatisfeito com algumas coisas que acho importantes, ontem mesmo avisei a coordenadora que quero uma reunião com ela e a professora da minha mais velha. Sobre algumas coisas que saíram ou mesmo nem entraram nos trilhos.

Mas diga aí, conte ou confesse, sei lá: o que a escola dos seus filhos faz pra tratar de temas espinhosos como racismo? O que acontece na escola além de, eventualmente, apresentações de grupos de capoeira no dia da consciência negra ou tentar correlações muito inexatas entre Zumbi, Machado de Assis e Luther King? E você, como participa da escola dos seus filhos?

Jabuticabas

Jabuticabas / Foto: http://www.baixaki.com.br/papel-de-parede/43722-jabuticaba.htmVivemos em um país em que o maior grupo de comunicação passa dias tentando convencer as pessoas a usar o banheiro em vez de fazer xixi na rua.

Vivemos em um país em que um sujeito que renunciou à presidência do Senado e seu mandato em meio a denúncias de corrupção e ameaças de cassação foi reeleito para a presidência do Senado.

Vivemos em um país em que o presidente da CBF e do comitê organizador da Copa do Mundo foi flagrado roubando a medalha de um goleiro e fazendo gato de um vizinho, em um condomínio de luxo.

Vivemos em um país em que os governos tentam colocar todo mundo na universidade, mas os mesmos governos não fazem nada pra melhorar as escolas de ensino fundamental e médio.

Vivemos em um país que se diz democrático e em que os democráticos governistas impedem, na marra, que uma estrangeira em visita fale o que pensa sobre uma ditadura.

O que uma coisa tem a ver com a outra? Pensem, só pensem…

E o carioca que se dane

Não, eu não vou falar mal da Rio +20, da sua completa inutilidade, de como tudo isso – na verdade – cheira mal, de como e quem vai pagar a conta da festa etc etc etc. Vou falar do Rio, só do Rio.

E de como é óbvio que a cidade – despreparada até para uma Feira da Providência ou um jogo de médio porte no Maracanã – arrebenta a vida de seus cidadãos.

E basta apenas um exemplo para mostrar isso: o feriado escolar que teremos nessa semana. Três dias sem aula de escolas, faculdades e qualquer cursinho livre. Três dias em que pais e mães terão que se virar para cuidar de seus filhos que deveriam estar na escola.

Todos sabemos que não são poucos os pais que precisam de creches e escolas em horário integral porque trabalham (essa coisa antiquada que quem está acampado ou fazendo passeatas pela cidade não cultiva muito, bancados por ONGs ou pelo próprio governo, mas isso é outra história e também não vou falar disso).

Pois bem, me digam aí, prefeito, governador, secretários e quaisquer outros envolvidos com a programação do evento: o que fazemos com nossos filhos? Contratar babás? Quem paga a conta? Deixar com as vovós e vovôs? E eles também não precisam trabalhar? Faltamos, os pais, ao trabalho?

Pois toda essa confusão é para diminuir o movimento e o trânsito na cidade que não tem capacidade para receber um evento como esse.

Aí, alguém soltará a pérola: “imagine então na Copa e nas Olimpíadas”. Pois é, imagine só… Sinceramente, não estou nem aí. Porque como sempre as coisas vão acontecer. Minha preocupação é um tantinho maior, porque nossa cidade não está preparada para nós, porque não temos estrutura viária correta nem metrô ou ônibus decentes, entre muitas outras coisas. Isso é que é grave.

Foto(s) do dia: exposições

Sujeito gosta de fotografia, fim de semana chegando, um tempinho meio lusco-fusco, sem saber se teremos sol ou chuva, calor ou frio… Então, vale a pena fazer ir ao Centro do Rio e visitar duas belas exposições de uma vez só.

A primeira, na Caixa Cultural (Av. Almirante Barroso, 25, até o dia 3 de junho), é a World Press Photo 2012, 55ª edição do maior prêmio de fotojornalismo do mundo. A imagem acima faz parte da série Luta Livre em La Loba, do polonês Tomasz Gudzowaty. A série foi a terceira colocada na categoria histórias do esporte.

Depois, vá até o Centro Cultural da Justiça Federal (Av. Rio Branco, 241, até 17 de junho). Lá estão 137 fotos do francês Robert Doisneau. O sujeito fez imagens de todo tipo e a mostra é dividida em 12 temas, mas suas séries mais populares retratam a vida nas ruas e subúrbios de Paris.

Färskhet och utbildning paj*

E foi notícia ontem, no portal de um grande conglomerado de comunicação, a história de que uma pré-escola sueca luta contra estereótipos de gênero, dizendo às crianças que todos são iguais, homens e mulheres. Vejam a declaração de uma das professoras:

A sociedade espera que garotas sejam frágeis, gentis e bonitas, e que garotos sejam machões, ásperos e extrovertidos. A Egalia lhes dá a fantástica oportunidade de serem quem eles quiserem.

Devo ser burro, por favor me ajudem. Sempre acreditei que a melhor maneira de evitar preconceitos, ao contrário de esconder as diferenças, era apresentar as diferenças e mostrar que elas – as diferenças – não tornam ninguém melhor ou pior. Estou enganado?

Tentar dizer que homens e mulheres (e neste caso, meninos e meninas) são iguais não é um crime contra o conhecimento, justamente porque eles não são iguais? E qual o problema de homens e mulheres serem diferentes?

E é claro que não estou me referindo aos estereótipos da menina frágil e do garoto machão, porque eliminar estereótipos não elimina as diferenças. E qual é o risco, ao tentar fingir que todo mundo é igual, de provocar mais discriminação quando essas crianças se derem conta (porque é claro que elas vão perceber) que as diferenças existem.

Mas a tal escola é notícia e arrisca virar referência por educar de maneira torta. Daí pra virar moda e chegar por aqui, é um pulo. Não é uma maravilha?

*Frescura e educação torta

Verbetes e expressões (21)

Bullying

Situação que se caracteriza por agressões intencionais, verbais ou físicas, feitas de maneira repetitiva, por um ou mais alunos contra um ou mais colegas. O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully, que significa valentão, brigão. Mesmo sem uma denominação em português, é entendido como ameaça, tirania, opressão, intimidação, humilhação e maltrato. Bullying é uma situação que se caracteriza por agressões intencionais, verbais ou físicas, feitas de maneira repetitiva, por um ou mais alunos contra um ou mais colegas. O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully, que significa valentão, brigão. Mesmo sem uma denominação em português, é entendido como ameaça, tirania, opressão, intimidação, humilhação e maltrato.

Fonte: Revista Escola

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Já venho pensando nisso há algum tempo, mas sempre de maneira um tanto desorganizada. Vocês vão ver que não mudou muita coisa. O problema é que, como tudo que andamos importando por aqui nos últimos tempos, o bullying virou moda e – de certa forma – a razão por qualquer problema, qualquer desvio de criança, adolescente ou pós adolescente, qualquer ato de violência.

Quem passa por aqui está cansado de saber que não entendo nada de psicologia. Pelo menos da maneira formal. Porque, em se tratando de educação, carrego comigo o que aprendi de certo e errado com pais, avós, tios, vizinhos, pais de amigos e assim por diante. Além da escola, claro. E, parece-me claro, que o tal de bullying é mesmo um caso de (falta de) educação.

Por exemplo, lembro claramente do meu pai – na primeira vez que cheguei em casa depois de brigar, não lembro se na rua ou na escola – dizer mais ou menos o seguinte: não bata em alguém menor que você; se for do mesmo tamanho, tente conversar antes de brigar, mas não volte pra casa chorando; se alguém maior encrencar, me avise.

É claro que aí estava apenas o recado básico de que não deveria ser covarde, tentar não ser violento e não aceitar covardia. Mas não era só isso. Meus pais participavam da minha vida, conversavam, orientavam. Meus pais se relacionavam com os pais de boa parte dos meus amigos ou colegas de escola. E o outro grande detalhe da história: eu conhecia a palavra ‘não’ e o seu significado.

Mas o que vejo hoje por aí não é lá muito animador. Vejo pais cada vez menos presentes e, numa tentativa rasa de compensar a ausência, dar ou tentar dar tudo o que as crianças querem no momento em que elas querem sem pesar valores ou significados. Também vejo pais passando as mãos nas cabeças de suas crianças em qualquer circunstância, numa permissividade desmedida, sem lhes apresentar o ‘não’ ou sem deixá-las sentir as conseqüências de seus atos, protegendo-as de tudo e todos a qualquer custo, em qualquer circunstância, esquecendo-se de que a vida não é assim. E essa é a chave do negócio.

O mundo não é estéril, pasteurizado, fantasiado de sorrisos padrão, construído sobre a tal filosofia do politicamente correto em que todos, hipocritamente, dizem sim o tempo inteiro desde que você siga o roteiro e não revele o que realmente pensa.

Valentões sempre existiram e continuarão a existir. Recebi e dei apelidos. Sacaneei e fui sacaneado. Fui o mais fraco e o mais forte da escola. Mas cresci com regras claras. Fiz bobagens, como todo mundo. Levei minhas chineladas, até cintadas. Convivi com brigas e discussões entre meus pais. Vivi seu divórcio. Lidei com ganhos e perdas. E amigos ou simples conhecidos, seus irmãos mais velhos ou mais novos também. E não, nunca vi nenhum deles ultrapassando os limites da boa educação sem sofrer as devidas conseqüências. E não, não vi nenhum deles crescer traumatizado, tratado por oitocentos psicólogos e quatrocentos psiquiatras.

Então, sinceramente, acho mesmo que esse carnaval sobre esse tal de bullying é só isso, mais um carnaval de quem não quer se dar ao trabalho de enxergar o óbvio. Porque ele sempre existiu. Só que sem o nome importado e (talvez) sem a violência de hoje.

Se você chegou até aqui, é possível que esteja pensando que sou uma besta, um reducionista, que as coisas não são tão simples. Sinto muito. As coisas são sim, muito simples. A vida é muito simples. Quem cria os problemas somos nós.

Violência característica

Não gostaria de usar a tragédia de hoje, em Realengo, como pretexto para qualquer coisa. Mas é impressionante como, às vezes, é inevitável.

Entre todas as cenas do pós-tiroteio, entrevistas coletivas de nosso governador e prefeito nitidamente compungidos, o ministro da educação idem e nossa presidenta chegou a chorar em um evento em que devia fazer um discurso. Na verdade, de muito bom tom, todo o cerimonial foi cancelado e substituído por um pronunciamento breve de nossa mandatária, encerrado com um minuto de silêncio. Parabéns.

Mas sabe aquela história de que “se não tem o que falar o melhor é ficar calado”? Dilma bobeou e disse o crime de hoje “não é característica do país”. Certamente, se referiu às várias edições de tiroteios escolares que aconteceram nos EUA nas últimas décadas. E ela tem razão. Porque a violência característica do Brasil pode ser traduzida por alguns números e pela falta de atuação de todas as instâncias de governo para dar fim ao problema.

Apenas como exemplo: 46 mil pessoas são vítimas de homicídio todo ano do Brasil, média de 126 por dia. Em um triste ranking mundial, estamos na sexta posição entre 91 países, com 25 assassinatos para cada 100 mil habitantes. Que tal? Mais: nos últimos cinco anos, temos uma média de 160 mortes diárias no trânsito. Números muito, muito piores do que qualquer guerra.

Então, presidenta, governadores, prefeitos, ministros e secretários de segurança, o que vamos fazer para mudar a nossa característica?

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Sobre o que aconteceu, propriamente dito, tenho a impressão de que o sujeito – louco, sem dúvidas – decidiu se matar e resolveu chamar atenção. É impossível não ligar o caso, não vê-lo como uma imitação das trocentas chacinas escolares estadunidenses que sempre viram notícia e chocam o mundo. Pois ele conseguiu, o Brasil está parado e a notícia correu o mundo.

Mesmo o fato de trechos divulgados da tal carta de despedida do assassino fazer alusões à pureza e à castidade, dando um certo ar religioso ao fato, não me convence. E alguém lembrará que entre mortos e feridos, são 20 meninas e quatro meninos. Uma disfunção, um trauma, uma questão religiosa ou só uma cena construída? Sei lá, não sou ninguém, não fiz qualquer estudo sobre o tema, mas acredito na última hipótese.

Se, por acaso, estiver certo, provavelmente não teremos mais casos como o de hoje. Pelo menos, não em breve. A não ser que algum outro maluco resolva se inspirar pela cobertura massacrante que enfrentaremos nos próximos dias em todos os meios de comunicação.