Obrigação em tempo integral

Não conhecia, o RSS funcionou de novo (obrigado Giorgio) e o blog do Bruno Pontes já está incorporado à minha humilde galeria aí ao lado, em Na boa. E para apresentá-lo por aqui, seu belo artigo sobre o aumento da carga horária escolar. É, como vocês já devem ter percebido, o tema educação anda em alta por esses lados. Mas garanto que vale a pena. Boa leitura.

O Brasil em breve alcança o Azerbaijão

Em novembro de 2009, a Câmara dos Deputados e o Senado aprovaram uma emenda à Constituição que obriga os pais a entregar os filhos de quatro anos à escola (atualmente o MEC exige a guarda intelectual dos brasileirinhos aos seis anos). O leitor esquerdista dirá: “Certíssimo. O Estado tem a obrigação de garantir educação e quanto mais cedo melhor”. A educação estatal é um direito, recitará o esquerdista. Mas eu não tenho a liberdade de rejeitar esse direito e educar meus filhos em casa, longe da fábrica de burros que é a escola, pública ou privada, pois posso ir para a cadeia por tal gesto antipatriótico.

No fim do mês passado, a comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 134/07 aprovou a ampliação da jornada escolar da rede pública para, no mínimo, sete horas. Pobres crianças. Conforme o substitutivo da relatora, deputada Professora Raquel Teixeira (PSDB-GO), a medida valerá para a educação infantil e os ensinos fundamental e médio regulares. Portanto, pobres crianças e adolescentes.

As escolas terão até 2020 para adotar a nova jornada. Segundo a deputada, o prazo de dez anos levou em conta as diferenças da realidade educacional entre os diversos estados. Dentro de uma década, pelo visto, os estudantes brasileiros terão o mesmo nível de ignorância nos mais diversos assuntos, independentemente da unidade federativa onde vivam. Conforme Raquel Teixeira, com R$ 20 bilhões seria possível adotar hoje a jornada de sete horas em todos os colégios. “Esse dinheiro não é nada perto do retorno que a medida traz para a sociedade. Uma hora a mais na jornada aumenta em 66% o aprendizado do aluno”.

Um pai antiquado louvaria a intenção dos nossos parlamentares. “Meu filho vai ficar mais tempo na escola e aprender mais”. Não é bem assim. Como nos ensinou Paulo Freire, educar é um ato político. É ridícula a noção de que a escola deve apenas ensinar português e matemática, tornando o aluno capaz de ler e contar. Não. O que será do nosso país se as crianças deixarem de aprender a usar camisinha e gel lubrificante, a ter consciência crítica e votar nos socialistas? Devemos seguir no caminho da educação como ferramenta de “transformação social”, pois o clichê diz que não se mexe em time que está ganhando, e nosso fenomenal desempenho foi atestado mais uma vez e nos enche de orgulho e esperança.

Saíram os resultados de 2009 do Programa Internacional de Avaliação de Alunos, o Pisa. Dos 65 países examinados, o Brasil ficou em 53º lugar em leitura e 57% em matemática. Nossa colocação no levantamento pode parecer frustrante, mas veja o lado bom da coisa: se os estudantes brasileiros continuarem nessa progressão intelectual, em poucos anos alcançarão os estudantes de países desenvolvidos como Trinidad e Tobago, Cazaquistão e Azerbaijão.

Bom, não sei qual a realidade do Ceará, onde está o Bruno, mas no Rio foi criado o CIEP lá na década de 80, projeto de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro. A idéia era que as crianças, todas, passassem o dia inteiro na escola, ambiente em que seriam garantidas sua educação e alimentação, além do incentivo e desenvolvimento de práticas culturais e esportivas.

Em tese, seria excelente, pois teríamos um mundo de crianças se desenvolvendo fora da curva imposta pelos bolsões de miséria, além de afastá-las do crime e gerar – graças à riquíssima grade curricular e extracurricular – novas oportunidades, novos horizontes.

Tudo lindo, tudo maravilhoso, mas o negócio nunca funcionou como deveria. Mas seria possível fazê-lo funcionar? Sinceramente, acho que não. E também não vejo na nova emenda uma razão para entendê-la como positiva, principalmente com o nível de educação que encontramos em nossas escolas, públicas e privadas.

E sobre o tema, educação em tempo integral, também vale ler esse artigo de Lígia Martha Coelho e Janaína Menezes.

Mas o que me aporrinha de verdade nesse negócio todo é essa vocação do estado (que temos instalado hoje) se meter na vida, no direito que  cada um de nós deveria ter de escolher o que quer fazer. Do jeito que andam as coisas, não deve faltar muito para que as palavras Ordem e Progresso de nossa bela bandeira serem substituídas pela expressão ‘pátria ou morte’.

2 comentários em “Obrigação em tempo integral

  1. O Brasil não pode fazer o GED (http://en.wikipedia.org/wiki/General_Educational_Development) como aquele país que fica entre o México e o Canadá, por causa da foto acima.

    ALMENTAR?
    Uma grande parte dos pais brasileiros não tem conhecimento suficiente para transmitir a seus filhos.

    Se a escola de hoje se preocupasse e “orgulhasse apenas de ver seus alunos fazendo aquelas coisas trivias e sem importância, tipo entender o que foi lido, escrever corretamente e saber fazer contas”, o “estado (que temos instalado hoje)” não poderia colocar em prática a sua vocação.

    Bons ventos

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  2. Entre meu tempo de escola e os dias de hoje, a carga letiva anual passou de 180 para 220 dias. Tem pais que acham ótimo, pois nào sabem o que fazer com os filhos tanto tempo em casa – outro sintoma de que há algo errado. Na escola deveriamos acumular conhecimento. Em casa é que se educa.
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    Este aumento de tempo deve atender às necessidades das escolas modernas para continuar, como rezam os anúncios, “Formando cidadãos”, “Ensinando cidadania para o futuro” etc, seja lá o que isso signifique.
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    Saudades da escola que se orgulhava apenas de ver seus alunos fazendo aquelas coisas trivias e sem importância, tipo entender o que foi lido, escrever corretamente e saber fazer contas. Muita perda de tempo para quem quer ser “cidadão”, né?

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